18 abril 2007

Uma Canção Pra Ninguém Ouvir.

Existem cenas e cenas.
Umas a gente vê e esquece em seguida, outras nos fazem pensar um pouco.
Algumas nos incomodam.

Como quando eu e amigos caminhavamos num domingo à noite num centro cultural formado entre tantas coisas, por "barzinhos" com música ao vivo.
Quando passávamos por um, minha amiga diz : "meu Deus, que triste!"
Quando olhei na direção que ela apontou, vi um homem.


Ele tinha um violão e tocava muito bem.
Tinha um microfone à sua frente e cantava muito bem também.
À sua frente, dezenas de mesas e cadeiras.
Vazias.
Mesmo assim ele cantava e tocava e exercia seu papel.

Minha amiga teve pena do cantor, contratado pelo bar pra animar seus clientes com música enquanto bebiam ou comiam.
Mas não havia clientes, só garçons pra lá e pra cá, esperando alguém ocupar uma das mesas desertas.

E o cantor, por que apenas ele chamou nossa atenção?
Por acaso os garçons também não estavam sem exercer a sua função de garçon por não ter cliente algum?
O problema é que o outro, cantava!
E nenhum garçon estava servindo o "nada".

Mas o cantor, cantava
Entre uma música e outra, pensei eu, no lugar de aplausos, o silêncio.
Nem sequer críticas ou correções.
Se ele errasse a letra, ninguém perceberia ou se importaria.
Se ele ornamentasse um trecho, mostrasse o que pode fazer com a voz, ninguém admiraria.

Pensei "ele está fazendo por obrigação,por dinheiro, está sendo pago pra cantar , e canta, mesmo sem público."
Se enquanto ele cantava ele estava sendo feliz, não sei.
Mas despertou pena e constrangimento na minha amiga e quem sabe em quem mais.

Quem é capaz de viver por obrigação?
Sem ter platéia, sem ter ninguém percebendo?
Ouvi em algum lugar que o sentido de se ter alguém na vida (casados,por exemplo) é pra se ter uma testemunha da sua existência.
Alguém que você saiba que está lhe acompanhando, lhe dando atenção.
Pra sua vida não passar despercebida.

Minha amiga e eu percebemos o cantor.
Mas não sentamos e viramos platéia.
Continuamos andando.

Penso em quem vive sem testemunhas.
Em quem não tem quem veja seu novo corte de cabelo, em quem não tem com quem compartilhar quando se faz um bom negócio.
Quando se tira 10 com louvor em uma prova.
Em quem não tem a quem mostrar sua roupa nova.
Em quem não tem.

Penso em quem vive pelo pagamento apenas.
Porque tem que viver pra viver.

Depois pensei "coitado dele nada, no final,de qualquer maneira, saiu com o bolso cheio de dinheiro."
Mas qual o mérito de "qualquer maneira"?
Bom, mas talvez seja esse o segredo: não dar a mínima se alguém vai parar pra lhe ver ou escutar.
Fiquei pensando se ele recebeu feliz o pagamento ou se ele se sentiu humilhado.

Mas que foi uma cena triste, foi.

O cantor não podia dizer "só canto quando alguém parar pra me ouvir!"
Nós não podemos dizer "só vivo quando alguém realmente se importar que eu viva ou morra!"
Não, esse direito não há.
Apenas se vive, se canta.
Sem testemunhas nem platéia.