19 maio 2010

Hora Nenhuma.

Até ontem a estrada era azul
E os ponteiros do relógio marcavam sempre sete horas.
horas de um passado que mal se corrigiu.

Ontem mesmo era cedo para sonhos
Raios de sol fraquíssimos davam a bênção.
Hoje anoiteceu, e nas estrelas, liberdade.

Até ontem, passos foram dados e tropeções eram bem vindos
Agora os pés descansam sobre sofás, descalços.
As mãos que gesticulavam loucas, hoje tocam violão.
Unhas inteiras, acordes maiores.

Ontem ainda se ouvia o pássaro cantando na gaiola
Doce, longe, triste, amarelo.
Ainda se ouvem assobios, bichos das florestas
Mais do que nunca as flores se abrem.

Tanta doçura dispenso ao hoje, esse presente momento que, sorrindo, vejo escorregar
Pobre ontem que vai no trem levando consigo aqueles cabelos negros e olhos ingênuos que me mataram.
Adeus, corre pra longe de mim.
Lá, onde o trem vai, cantam os tais pássaros amarelos.
Tão alto, tão doce, tão triste, que não me permitirão ouvir tua voz me chamando.

Hoje, para minha felicidade, é tarde demais.

17 maio 2010

Fronteira.

Deveria ter um ritmo minhas palavras
mas cansa.

Melhor algo leve.
O silêncio.

Então posso começar pensando numa palavra que descreva
A solidão.

Melhor algo mais doce:
rugas ao redor dos olhos.

Todo texto de amor parece lamento penoso de louco em camisa de força.
Hoje liberto, faço costuras em outras roupas, quero mover os braços.

Eu deveria dizer para quem escrevo
Mas é tão bom não-amar

Melhor mentir.

Não preciso que ninguem me ensine a mexer nos eletrodomésticos
Fiquei moderno, sei apertar os botões certos.

Esse é o texto mais triste que escrevi na vida.
Mas acabou.

16 maio 2010

Fosco


O vidro que há nas coisas.
Só eu vejo a fria transparência?
Pois existe, e é triste e duro como alguém ao fim de um amor.

Mas há, digo a vocês, há um vidro nas coisas.
E nas pessoas, nem preciso explicar.
Em tudo, há O vidro.
"Redoma" é um nome. Juro.

Todos os olhares gulosos, sedentos e suplicantes através de vitrines.
Lá, quando se tinham cachos e laços nos cabelos, já havia o vidro.
Inquebrável.
Inquebrantável, e não significa a mesma coisa.

A solidão chega na poltrona do cinema.
Na fila do banco.
No pomar.
O vidro que há nas coisas.

Mas guarde martelos, o estilhaço é pior.

10 maio 2010

Sem Pensar

Nunca desisti de nenhum sorriso
Brilho de suor no alto de testas.
Amigos amam levemente

O som da voz, coisa íntima.
Ossos visíveis, na nuca, no colo, no cotovelo.
Detalhe de gente
Amigos veem de perto.

A palavra "amor" passa a ser proibida a partir de agora
Estou leve demais para usá-la.

O olho. As partes do olho que não sei o nome.
Íris, córnea, cristalino, pupila... que mais?
Quero identificar tudo em teu olho.
As cores.

Tem os dentes, mas já falei de ossos.
Tem a alma, mas já falei que sou leve.

Tem o pensamento, mas é outra camada da terra.
Estratosfera, mesosfera... o que mais?

Em um pedaço de papel escrevi uma palavra de seis letras e coloquei no meu porta-retrato.
Não é simpatia nem feitiço: é melhor que foto.

Nunca resisti ao som do meu próprio nome,
Quando dito com carinho.
Viro criança de novo, estou num parque
Trem fantasma, roda gigante, montanha russa.

Amigos sentem o pulso.
Entendem.
Tem as unhas, tem nariz, tem boca e tem suspiro.
Uso da palavra "amor" liberado.

08 maio 2010

Para Não Passar em Branco.

Te dou minha melhor risada
Aquela que nem tenho mais.
Caixa vazia portanto.

Tenho outros sons
Quero dizer que tenho outros sonhos.
Aqueles que nem existem mais.

Te dou meus outros passos
Dos caminhos que não mais percorro
Das poeiras que não abaixaram
Das sementes no caminho que os pássaros não quiseram comer.

Tenho outras ruas
Quero dizer que tenho outras luas
Essas, sem fases.
Aquelas, sem luzes.

Tenho outro de mim para te dar.
Esse que nem morreu
mas é fantasma.
Esse que nem lembra
mas é memória
Esse que nem canta
mas é música

Te dou o que te cabe:
Nada.
Disso, tira o sumo
O resto é meu.