24 agosto 2013

Altar ao Desconhecido



Se houvesse alguém aqui
Seria testemunha de um não-crime.

Se você estivesse aqui, veria como as coisas são na penumbra do abajur

Se você ouvisse minha voz quando acordo rouco
Se você e apenas você estivesse aqui, descobriria meu lado doce e afável
Me assistiria, perceberia que eu mudei de um ano pra cá
Se você chegasse de surpresa, veria minha alegria
Me daria explicações, sobre o cheiro na camisa, o baton no colarinho e outras ilusões.

Se você abrisse a porta, escutaria meu grito de pânico

Veria minha silhueta no pôr do sol
Atravessaria janelas, balançaria o gelo no copo
Seria sufocado de amor, de ciúme, de paz
Seria provocado, me odiaria, ia querer me abandonar
Me esquecer.

Se você me perdoasse, se arrependeria
Se você me magoasse, se você me quisesse despido
Se você me rejeitasse, se você acendesse meu cigarro
Se você afastasse o prato de comida que lhe fiz

Se você bebesse meu vinho, afagasse meu cabelo
Se você experimentasse meu sal, meu açúcar
Se você me desse as costas, se você pudesse

Você teria a pior das mortes, você saberia de tudo um pouco

Você nascia de novo, você amava e odiava
Você cantava, você cegava, você dançava na corda bamba

Você teria calafrios, você se sentiria o dono do mundo
Você definhava, você se arrastava na sarjeta, você dava a volta por cima.

Mas você simplesmente não.
E eu, um círculo.
Eu sou uma sombra projetada na parede, em várias dimensões, vivendo e morrendo as minhas vidas e minhas mortes e as tuas também.


Não vieste, e eu vivo pela tua ausência para sempre.

18 agosto 2013

O Que Se Sabe.

Quando se anda pela casa no escuro, as mãos tateando, encontrando quinas, curvas e pés de mesas.
Se você entende e acredita que a luz nunca voltará.
Nem do sol, nem da companhia de eletricidade.


Desabando pra dentro de si
Você despenca: não há rede de segurança.
Só um abismo, interminável.
Um dia você olhou pra ele e sem perceber, o engoliu.
Como uma pílula preta e oca.

Sapateando, impreciso por entre a vida
Tua esperança, teu sonho, tua infância
Teus pés não servem pra nada
Não há sustentação na tua espinha, ela cedeu ao peso

Você chora, chora e nada acontece
Nenhuma fada, nenhuma estrela
Nem mesmo teus próprios punhos, nem tua coragem
Nem tua força, nem tua valentia, nem teus dedos longos
Tudo desaba, tudo virou o rio do abismo.

É mais profundo que você pensa
Você não pensa sobre isso
Não há o que pensar: você sequer sente coisa alguma.

Você morre rapidamente, todo dia
Aliás, você só morre.
Vai morrendo assim, ao atravessar a rua, ao beber a água, ao escrever o texto, ao dançar a música, ao ouvir quem você ama falar, ao entender o que ele diz, ao quebrar a unha, a recusar ajuda, a receber ajuda, você simplesmente morre o tempo todo.

E encontra o interruptor.
Nada de luz. Não é por esse sistema elétrico, não é pela  estrela de quinta grandeza.

É você:
Acabou.

"És importante para ti porque só tu és importante para ti. "
(Fernando Pessoa)

09 agosto 2013

Frio na Barriga.


( Só conseguimos viver porque não é sempre que nossa ficha cai.
A solidão seria insuportável.

Você trabalha, estuda, dança e dorme.
Pode ter patrão, uma mãe, um irmão, um cachorro, amigos.


Mas existem alguns hiatos de tempo

Quando você constata que é só
E você espanta esse pensamento como se espanta moscas )


Você não está nos planos de ninguém.
Aquela viagem, acontecerá sem você.

Ninguém cozinha pra você e pensando em você naquela noite de chuva.

Não existe o som do "bom dia".
Você é só mais um rosto na multidão.

Querido, mas não amado.



Você carrega suas próprias malas.

Você se culpa e você se absolve.
Você cria o problema e a solução.

Os navios partem e você sente o vento do cais apenas.

Porque você ficou.



Você é simples porque ninguém te complica.
Você ama porque ninguém minou seu sentimento.

Você ainda tem uma canção guardada na garganta, pra oferecer com carinho.
Essa canção está ficando antiga.


Ninguém vê tua beleza espontânea de quando você está em casa, 
desapercebendo do seu proprio encanto.
Ninguém te vê dormir.

Ninguém vela por você.



Quando você suspira de cansaço, 
Quando você suspira recobrando forças, visando o mundo á sua frente:

É só você na história.
Os suspiros se perdem. Não causam efeito em ninguém.

Ninguém notará você fazendo a curva, descendo as escadas, 
acenando, sorrindo ou chorando.
Desaparecendo.


(Então você volta a não saber mais de nada e a fazer planos de pedir uma pizza, e amanhã acordar cedo pra um compromisso qualquer, e então a vida segue, mas lá no fundo, você sente...)

Em quantos você se desdobra para, afinal, ser só você.