28 julho 2013

Rios Antigos.



Quando eu tinha 18 anos chorava com avidez.
Olhando pela janela, recostado, no escuro.
Um dia, até gritei.
Um dia eu era uma criança e no outro, eu sentia tanta dor
Olhei para todos os lados buscando uma explicação.
De onde vinha tanta tristeza?

Pois recebi uma explicação das mais convincentes.
Detalhe por detalhe, dia após dia.
Aquelas razões não capazes de verbo.
Pois bem, eu tinha um enigma.

Sonhei que havia um caminho longo, longo
As pessoas que estavam lá, estavam para ir embora.
O céu que havia lá tinha a sacra tarefa de desabar sobre mim
No mais, só caminho, estrada.

Nunca acordei.
As pessoas são recomendadas a não me fazer surpresas ou sustos, pois posso morrer.
Então toda a dor e sofrimento vem assim: sem sustos.
É uma água que se derrama lentamente sobre minha cabeça e percorre meu corpo
Nem às lágrimas tenho direito: a água gera e a água lava.

Um dia entenderão.
As pessoas
Elas foram embora mas um dia lembrarão de terem cruzado meu caminho.

Anos depois, meu choro é miserável.

Crisálida


Tenho duas coisas a dizer sobre abandono:

Pressinto sua chegada.

Não perdoo quem me abandona.

Pisar em estações, aeroportos.
Não perdoo ter de acenar

E voltar pra o vazio.

Transformo em mágoa para suportar

Enveneno o amor e as boas lembranças
Como um parto onde salvam a mãe e não a criança.

Prefiro o vazio dentro de mim do que nos bancos de praça.

Quantas vezes, em uma vida, somos deixados pra trás?

Que a vida segue, que as pessoas são rios

É fato
Que as pessoas tem asas, e inclusive eu também sou rio e tenho asas. 
Mas há um elemento anti-natural em tal naturalidade.

Não, ser abandonado não é humano, é grotesco.
É uma lança fina perfurando a garganta, é gelo sob os pés.

Quem é deixado só seca, só murcha, só definha e morre.

Quando eu ouvir "estou indo" meus ouvidos se fecharão

Vidros dentro de mim se quebrarão, cairei num abismo branco
As lágrimas por dentro, afogando os pulmões, e a secura por fora:

Nos lábios, no rosto, nas mãos.

Todos são cruéis no abandono, todos egoístas, quem vai e quem fica.
Mas apenas um é assassinado e vira casca.

Não há perdão. Não em mim. Não pode haver.


16 julho 2013

Momento A Sós, Acontece Uma Vez Na Vida Ou Todo Dia.

Acendeu a luz. Queimada.
Trocou a lâmpada, tudo iluminado.
A cozinha, abre a geladeira, microondas.
Cheiro de comida, barulho de prato. Um só.
Come rápido, olhando pela janela.
Tem agenda, é madrugada, é manhã, é dia.
Roupa, sapato, lava as mãos, papéis numa pasta.
Canetas, anota telefones, manda mensagem no celular, separa dinheiro para pagar contas.
Lembra de buscar filho na creche, cachorro no pet, lembra de passar na oficina.
Apaga as luzes, já clareou de vez. pensa em economia.


E de repente, como um caos, como a explosão de uma estrela: pára e senta na cadeira mais próxima.
Desabam os papéis, a pasta , a bolsa e os planos para hoje.
De repente, não sabe de mais nada.
Não quer continuar.
Não deseja.
Não ama.
Não é triste nem alegre.
Veio o hiato, e ele sempre esperou por esse momento.
Quando tudo parece longe e sem sentido.
Tanto que a epifania se anunciou:
Uma vez no supermercado ele olhou ao redor .
Uma vez no bar ele olhou ao redor.
Uma vez no meio de uma gargalhada, ele olhou ao redor.

E agora, é tudo redor.
É o que está escondido ao redor dele que ele teme e quer se entregar: é uma verdade gelatinosa e pulsante aí.
É o interior de uma ostra em algum mar com alta concentração de sal.
É ali que está.
E ele é matéria tão distante de si mesmo: isso é a morte.

Levanta da cadeira, os braços são asas cortadas pelo dono.
Olha ao redor: não é sua casa, não há cozinha nem quarto.
Olha ao redor: ele é viajante, ele agora abandona coisas, pessoas e a si mesmo.
Olha ao redor: (ele faz todo dia coisas em que não acredita: e elas o fazem feliz: ele faz todo dia coisas em que acredita: elas o esvaziam, mas ele não tem opção: acreditou.)

Não sente a dor. Não escuta os passos. Não percebe a brisa. Não ouve a música.
Então se for assim, está tudo bem.
Não há paz, absolutamente, então ele respira aliviado.

Olha ao redor.

03 julho 2013

Entre Mundos


Todos os furacões convergindo para o meu quintal e eu decido entrar no abrigo um segundo antes.
Sempre tive habilidade para lidar com ventos fortes, mas nunca sorte.
Era no segundo que eu baixava a guarda que minha casa ia pelos ares.

Agora estou aqui no porão, só eu, uma luz acesa e os ratos.
Mas todo atrapalhado, porque lá fora a casa da vizinha voa, suas galinhas experimentam voos e até arvores.

Não estou lá, pela primeira vez, e não sei sobreviver.

Procuro ver se alguém está na escuridão do fundo do vão.
Um ladrão ou assassino que acaso tenha se escondido para me atacar no momento certo.
Nada: eu, a luz mais fraca e os ratos.


Penso quando tudo tiver terminado.
Meu jardim, meu pobre jardim. Meus lírios! Será que sobrou algum?
Os furacões são imprevisíveis, costumam levar um e deixar outro.
Meu cachorrinho, não trouxe comigo, deve ter ido para Oz.

Será que justo dessa vez o furacão levou tudo para a Terra Prometida? pro Éden? pra Shangri-La?
Seria muito coerente. E eu achando que estava salvo.
Aposto que ao levantar a tampa do alçapão, estarei eu e as baratas, e meus amigos acenando pra mim da nave distante.

Sentado nas escadarias, nem tenho coragem de descer até o solo úmido de encanamentos vazados.
Sou provisório.
Percorro metade dos caminhos.
Solto tudo que eu tinha na mão: era um regador com água, pros meus lírios.


Ora, lírios! Quem eu penso que sou?
Minha ocupação é lidar com furacões, tornados, ciclones, tempestades.
Mas agora enganei a natureza. Desci pro porão.


O sono vem. Nunca fui de dormir. Nunca fui de escapar.
Levanto e as escadas rangem. Podem ranger à vontade.
Subo, em direção à tampa, me sinto saindo do túmulo.
Rebelde, contrariando a sorte e o destino.

Toco a maçaneta, não deixo tempo para meus brios.
Meus anjos e demônios estão em polvorosa, eu não os escuto.


Abro a porta. Todos os rostos conhecidos passam por mim em redemoinho.
Vejo o meu amor agitando os braços,  sumindo pra longe, gritando.
Meus lírios despedaçados, brancos, na poeira.
Sei de tudo, sei como deve ser, sei o que fazer.
Pertenço a isso.
Vôo.