21 março 2020

Todos Os Dias São Domingos Agora.






Uma vez vi uma borboleta pequenininha branquinha toda serelepe na árvore em frente a minha varanda num domingo de manhã.
Naquele momento acreditei que ela estava ali se exibindo e sendo linda pra mim.
Me mostrando a alegria dela, a leveza.
A borboleta com certeza estava vivendo a curta vida dela, se alimentando das reservas de quando era um casulo, bebendo o néctar das flores e os sucos das frutinhas.
Não acredito no místico da vida, infelizmente.
Mas eu escolho as ilusões nas quais eu vou acreditar.

Passei a vida lidando com a solidão dos domingos e escrevendo sobre eles.
Agora todo dia está sendo domingo e não sei quando a segunda feira chegará.

Amanhã eu acordarei cedo e verei mais borboletas.
Talvez eu sonhe com elas ainda hoje.
Enquanto eu mesmo me alimento das minhas reservas e bato asas curtas num lugar apertado e com teto, a vida lá fora precisa acontecer sem que eu participe.
Amanhã e depois de amanhã a vida tem que acontecer aqui dentro do meu quarto.
Aqui eu sorrio, olho fotografias, lembro das pessoas, canto e choro.
Talvez a gente primeiro tenha que aprender a viver dentro.

Talvez a gente só deva ir pra fora quando a gente não precisa lá de fora.

A vida da gente não é tão curta como a das borboletas, então a gente precisa inventar.
Inventar o hoje, o amanhã, os domingos.
Até o ontem a gente precisa ter inventado.

Daqui de dentro eu olho pra mim mesmo lá fora: um espectro dançante que não acredita no místico, que ama sem ser amado, que recebe de borboletas o carinho que elas não dão.

O eu lá de fora vai se distanciando no horizonte e me deixando a sós com o eu daqui de dentro.

Estamos sós, eu e ele, e ele é tão parecido comigo, chora igual a mim, ama igual a mim, canta com a minha voz.
Preciso abraçá-lo, porque é o único que eu posso abraçar agora e em todos os domingos que virão.