24 setembro 2010

Vais Dormir.


Suas mãos tateiam em busca de algo
É claro porém, ainda
Os olhos só veem luzes distantes, no pensamento
Seus pés mal se movem, mas jamais tropeçam

Você tem toda a decisão tomada
Todos os seus antepassados lhe empurram ladeira abaixo
Você finalmente vê
O mar, o mar

Vai para ele, não é Alfonsina, menos ainda poeta
Mas sabe as dores

Você não ama, e ninguém ama você
Você correu, você cansou
Você perdeu, areia aos seus pés

O mar, o mar

As suas lágrimas tem mais sal que as águas marinhas

Você mergulha enfim
O sol se põe depois.

22 setembro 2010

Aborto


Vim correndo pra cá
Estendi um pano qualquer no chão
Deitei em cima

É só o que preciso
Dormir, ouvir os sonhos, ouvir a vida
Suspender qualquer amor, guardar as poesias e esconder as melodias.

Pisar com um pé só, dormir na corda bamba.
Vou indo morar numa linha imaginária.
Trópico de capricórnio, onde é?

Se eu tivesse outro de mim por dentro
Que me fizesse companhia
E que tivesse na ponta da língua as palavras certas
E pelo menos algumas certezas
Mas não

Nas minhas profundezas há o mesmo material da superfície
Um tal amor íngreme
Que não serve pra nada
Não garante sequer minha sobrevivência

Mas eu nem mais me incomodo com isso
Só escuto . Ouvir a vida.

Minha única tarefa agora é achar uma porta onde eu deixe o meu amor, numa cesta bonita, limpinho e alimentado, para alguém tomar conta, enquanto desapareço pra sempre.

"Faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém" (C. L.)

21 setembro 2010

Ao Vento

Você promete que nunca vai me deixar enlouquecer?
Cantando canções de partida e chegada
Segurando com força meus próprios dedos?

Que no próximo natal não vou imaginar ouvir anjos e sinos?
Nem que vou chorar em janelas, vestindo roupa nova e vermelha?

Que não vou estar correndo pra atender o telefone
Em plena virada de ano?
Sem ver nenhum desenho no céu?

Promete que me fará dormir sem a passiflora e a erva cidreira?
Que matará a serpente do meu pesadelo?
E que os gatos não farão barulho nas latas de lixo da rua?

Promete que depois da tempestade virá a bonança?
Me contará histórias orientais e brasileiras?
Promete que desliga a tv se eu dormir?

Ou tenho que carregar todas as malas, sempre?
E limpar toda a bagunça
da festa que não fui?

Vou ter que eu mesmo segurar a pá que lançará terra sobre meu túmulo?
E cruzar as mãos no peito, tentando não sorrir de ironia?

Vou ter que cantar as canções sozinho?
E ser meu próprio vigia, sem turnos nem descansos?

Tenho que inventar as respostas
Das perguntas que você me fez?
Tenho que sorrir no final quando você me dá as costas?

Ou posso simplesmente soltar o que tenho nas mãos
Sem me preocupar que se quebre?
E se for cristal
E se for muito?
E se for eu?

20 setembro 2010

Nevasca


O melhor modo de nunca morrer de frio
Não é agasalho, nem bebidas quentes
Muito menos fogueiras acesas.

Precisa não amar
Nem querer a mão e o olhar de quem se ama
Vai que falha a mão e o olho se fecha

O gelo que cobre e inutiliza os motores
A ausência, a distância
Fumaças saindo das bocas, respiração pesada
Agonia de amar até morrer
E nascer e morrer e nascer e morrer

Cristalizando dores agudas de fagulhas de vidro
Precisa não querer bem
Amar não esquenta o suficiente.
Ninguém sozinho sobrevive ao frio.

19 setembro 2010

Alteridade



Como quem foge dos cães da polícia
Galhos quebrados, rastro nas folhas, pés pisando firmes e fortes
Em algum momento dessa fuga
O cansaço vencerá

As mãos que desenham no ar como um balé
De outro ângulo, são braços de um afogado
Nada da tranquila resiliência
Só um ar a ser respirado a qualquer custo

Escuta os passos de quem chega de madrugada
No escuro da noite dormida
Trazendo cheiro de vinho e as risadas impregnadas na roupa
Prende a lágrima, continua o pesadelo

A porta que leva para outro mundo
Sempre fechada, luz por baixo
Lambe os lábios de desejo
Quer estar lá

Tudo é solidão.

15 setembro 2010

Corte

Ele não aprendeu a lição
Nem apreendeu o que havia nas entrelinhas

Tinha dificuldade para enxergar, sentidos comprometidos, enfim.
Mas o tato, era de super-herói
Sentia na pele os prazeres e as dores.

Ele não sabia falar às vezes
E provavelmente nunca saberá
Nem as melhores escolas
Nem tantos livros

Era só sentir e sentir
Sem nunca entender de onde vinham os estímulos
Rolavam lágrimas como seiva de árvores feridas
Brutalidade

Não sabia chorar
Mas ainda assim, por instinto talvez
Se derramava.

11 setembro 2010

Divagando II

Nomes escritos em árvores, cartas antigas
Tudo que traz nos códigos algum carinho
Disso que estou cheio e disso que sinto falta.

Enquanto no fundo de algum mar distante, peixes se alimentam de plâncton
E simplesmente nadam, de lá pra cá
Minhas memórias se reforçam com cheiros e músicas.
E eu sonho com alguma escuridão que signifique paz

Na minha família todo mundo dorme com alguma luz acesa por perto.
Então só eu apago tudo.

Estou tão livre de novo, que sinto energias fugindo, eletricamente pelo chão
Eu poderia mergulhar fundo em mares de águas claras
Escalar montes e enlouquecer sem dar trabalho a ninguém

Mas lá por dentro do que chamam de alma
Uma força pede prisão e paixão, paixão e prisão
Palavras desconexas e perigosas
Por falar em perigo, "são demais os desta vida para quem tem paixão".
Aí está.

01 setembro 2010

Divagando

Eu concordo
Com o que os poetas falam
Mas sempre torço pra estarmos todos errados

Os muitos sentimentos que afloram
E os que nos perseguem e nos matam em esquinas escuras
São todos eles passageiros, principalmente os bons

Certa vez, num filme que antes era um livro, e etc
Alguém disse que o ser humano é o único animal que vive sabendo que pode perder quem ele ama a qualquer momento.
O ser humano tem muitos pesos para carregar, essa é a verdade.

Tudo que é bonito carrega em si tragédias
Por isso tem poetas que preferem o amor feinho.

O bom de se amargar noites de violência e crueldade
Manhãs de abandono e vazios e tardes de tristeza e letargia
É que nenhuma se repete naquela proporção
Porque já temos os dispositivos
Como naqueles jogos que você tem que pegar o tesouro debaixo do dragão que dorme.

Ontem, voltando pra casa, não vi um buraco e caí na rua
Sem surpresa, já caí antes em outras esferas
Até já sei como proteger os joelhos e a cabeça
Só não sei o coração.