31 julho 2010

Urgente

"A mim,

Caro eu mesmo.
Favor não ceder a olhos brilhantes, nem ao espelho.
Cumprir as obrigações e resolver as pendências.
Despir-se de todo e qualquer amor latente, sua saúde não é das melhores.
É seguro respeitar as mágoas, elas te salvarão.

Não acredite em estranhos, e principalmente
Identifique quem são os estranhos.

E o mais importante: não volte no tempo.
Os dinossauros foram extintos e você vai na mesma onda.

Sabemos que é difícil partir, mas chegar não está em suas mãos.
Apenas respeite o rancor que sentes.
Não ligue pros discursos de perdão e tolerância:
Já morreste antes. Sabes como é.
A dor e tudo mais.

Escrevi mais do que queria: mas você seja breve em tudo
O que importa é sobreviver.
Não escute as bobagens brancas ou azuis, escute o seu coração em pedaços.
Ele é o melhor exemplo e mais morta testemunha.

Não esqueça de se proteger da chuva, do calor e do vento tão agressivo.
Se feche na concha se precisar
Não corrija o português desse texto, nem passe suas roupas com cuidado.
Simplesmente caminhe e cante.
Prometa que vai nos deixar em paz dessa vez, sim?
Sei que você sabe o que fazer, desculpe os conselhos inúteis.
Sei também que dessa vez haverão menos lágrimas.

Não se sinta triste louco e só.
Eu, pelo menos, te amo."

27 julho 2010

Náufrago


Numa ilha
Palmeiras tropicais
Mares infestados de tubarões
Perfumes noturnos
Uma ou duas estrelas

Tudo tão bonito e triste
Uma lua enorme e branca, pra quê?
Pra nada, iluminar caminho algum.
É uma ilha.

Ninguém que vista linho branco
Nenhum cabelo ao vento, nenhuma voz
Sempre a voz.
Tudo tão azul e surdo.

Um navio ao longe? Não, resquícios de um sonho
Que tive semana passada
Quando ainda era dia
E eu tinha remos (lembra deles?)
Podia fugir e teria chegado são e salvo.
Chegado onde?
Não há onde ir. Os portos fecharam.
Tenho âncoras nos pés.

Quero enviar uma mensagem para ti numa garrafa
Dizendo "eu só queria um pouco de amor"
Mas vim parar na ilha, virei selvagem

Tudo tão urgente e distante.
Se eu fechar os olhos, fizer um pedido
Tudo que é triste vai sorrir?
Não.

Não sei nadar
E tenho âncoras nos pés.

25 julho 2010

Canto de Temor e Saudade




Era manhã, e sempre sou desapercebido.
Entrei na cozinha e ouvi, sobre minha cabeça, um barulho de flauta viva.

Demorei pra entender o que eu via e ouvia, palavras me vieram à cabeça:
ave, pássaro.
Mas nada disso, de forma alguma
O nome é passarinho.

Amarelo, pequeno e canoro.

Alguém o pusera ali, dentro da gaiola, a própria gaiola que eu jamais tinha visto antes.
E ele parecia tilintar, era uma pepita.
E olhei seu bico e os olhinhos e me senti tonto de alguma emoção fugidia.
Dormi dias e o vi de novo, veio pra ficar.
E cantava, como se soubesse que é a única linguagem que entendo.

Passarinho, passarinho, quanto mais eu o chamava mais minha voz era quente e cheia de rios.
Paixão louca por aquele pequeno ser.
O mistério era a gaiola aberta, e ele não voar, fugir.
Imaginei que alguma coisa nele estava quebrada. A asa?
Ou algo por dentro.

Todo dia eu vejo, escuto o passarinho.
É o que existe de mais amarelo e vibrante em minha casa.
Às vezes digo "meu passarinho" e as palavras soam tristes e mentirosas.
O meu amor só é prisão pra mim mesmo.
Tudo o mais que amo voa por aí.

Tenho medo egoísta que ele se cure, ou descubra a porta aberta, confesso.

Um dia a gaiola estará vazia, e eu também.
Desejo por segundos, nunca ter escutado o primeiro e agudo som.
Nunca ter amado o passarinho, passarinho.
Que quer crescer, leio no modo como gira a cabeça
E nas notas que ele entoa quando está distraído

Pois não vou impedir, que cresça, que se cure, que saiba da porta aberta, que voe, que acabe nas garras de um felino ou outro predador.
Mas rezo, enquanto ele canta, que se voar dali, saiba do limoeiro que cresce junto à janela do meu quarto.
E onde haverá sempre água, alpiste e uma voz desafinada que inveja seus trinados.

17 julho 2010

Restante

Nesta hora, todos saíram
Alguns pediram carona, uns estão dormindo
Uns caminham a pé, outros dirigem
Uns comemoram, outros olham pela janela solitários

Nesse exato momento uns correm, debandam, deixam a cidade
Apertam o cinto de segurança, embarcam em um avião
Pulam de pontes, se embriagam e dormem no colo de seus amores
Uns tomam um susto e outros baixam a cabeça decepcionados
Perdem a fé, enquanto outros enlouquecem

Uns guardam segredo, outros são mistérios, outros desabafam e muitos falam demais
Uns se calam, outros pra sempre, nesse momento um perdoa e outro é perdoado
Agora alguém se enche de uma mágoa que será eterna.

Há um minuto atrás alguém foi esquecido numa estrada escura
Alguém foi deixado sozinho no meio da vida
Alguém acordou e não sabe onde está
Alguém perdeu a visão, outro os sentidos, outros perderam o amor
Existe alguém que perdeu tudo isso

Em breve alguém se cansará de esperar
Outro venderá seu violão.
Um que limpará as lágrimas na própria camisa
Por falta de lenço e de consolo

Uns nessa noite sentem esperanças e ficam tristes porque ela não os deixa desistir
Outros desistem
Uns chamam, e uns não respondem.
Nessa hora tudo é vazio

Uns se arrependem, outros decidem tudo errado
Há alguém cantando e há alguém escutando
Há alguém que lê e alguém que escreve
Há alguém sendo enganado, há alguém rindo da piada
Há um plano secreto e alguém o executa
Nesse tempo há alguém que foge de si mesmo
E há um amor que se acaba.

No instante seguinte alguém já viveu, já amou e já morreu
No próximo minuto haverá uma vítima, um carrasco, uma testemunha
No presente momento há toda essa gente escondida em seus quartos, salas e bares
E há alguém, sozinho sem nem mesmo seus fantasmas
Que foram exorcizados na hora errada
Quando mais se precisava de companhia

Já que nesta hora, todos fugiram
E não há carne e osso que baste
E que salve o solitário nesse minuto
De contar seus mortos.





16 julho 2010

Silencioso

Deus quando ouvir minhas preces
Terá bastante trabalho em catalogá-las

Peço tudo tão simples, que chega a ser aviltante.
Mas nas simplicidades existem os prazeres de inúmeros filamentos brilhantes.

O fato é que o chão e o teto é tão difícil de se ter quanto um lustre de cristal ou um papel de parede raro.
O chão e o teto, maior ambição de quem quer paz.

Vivemos em frequentes brigas de trânsito.
As ruas nunca estão liberadas para nós.
Pedir uma estrada de terra faz parte dos meus planos

Uma estrada de terra, distante e deserta
Uma lua acima de palmeiras
Um abrigo (teu) um colo (teu)
Algum abrigo, algum colo
Algum conforto ao dormir, ao morrer
Uma vida que tenha sinos tocando de vez em quando.
E o fim desse sorriso desanimado.
É (só) tudo isso que peço.

13 julho 2010

Pequeno Desabafo de Madrugada ou Cansaço Enfim.


Sabemos o que é lutar por alguém
Se dedicar
Tratar com carinho
Querer bem
Elogiar
Ver detalhes
Querer cuidar
Se preocupar
Se importar
Fazer rir
Estar presente
Tentar entender
Tentar consolar

Mas amar?!
Com essas portas fechadas?!

11 julho 2010

Buscando Água


Quero uma surpresa:
Sendo meu próprio Papai Noel, não espero o Natal
Me dou algo muito parecido com uma flor
Branca, de perfume doce, e cresce nos escuros espaços entre a alma e o corpo.

"Porque Papai Noel não existe, é só um velho com aquela roupa"
Minha sobrinha pequena me disse, satisfeita por não estar sendo enganada desde cedo.
Quase acrescento: "pois alguns nem velhos são"

Eu deveria esperar dezembro pra falar disso, mas nada tem a ver com as festas natalinas.
Tem a ver com o nascimento em pleno julho da minha flor branca, de cacto, em meio a espinhos.
A gente tem que armazenar de alguma forma a água, para quando vier a seca.

Quando vier a realidade nua e crua, a ordem de despejo, o litígio e a morte
Quando quem você ama te esquecer num ponto de táxi qualquer
Quando as vassouras levantarem a tua poeira
E quando pingarem iodo em tua ferida
Temos de ter água para beber

Tanta amargura, e ainda assim existem as flores brancas e as surpresas
E os pequenos e particulares natais acontecem, em um solitário dia de domingo.

Prêmio Dardos


"Com o Prêmio Dardos se reconhece os valores que cada blogueiro mostra cada dia em seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais etc., que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras."




Fico muito satisfeito em saber do reconhecimento de outros que como eu, amam as palavras e as coisas que elas dizem.

Faz parte da brincadeira a gente premiar alguns blogs que a gente gosta, então lá vai:

- Sonhos Lúcidos
http://liainfinitoparticular.blogspot.com/
Textos de uma delicadeza e força ímpares, tudo da Lia.

- Mundos Castanhos
http://versoscastanhos.blogspot.com/
Do Bruno Mariano, que simplesmente quis escrever e foi e fez.

- [G]Rito de Passagem
http://gritodepassagem.blogspot.com/
Marina Leitão sendo plena em seu encanto

- Caneta Insone
http://canetainsone.blogspot.com/
Pungentes e verdadeiras palavras de Luis Arthur Costa

- Despoesia
http://desposeia.wordpress.com/
De Plínio Renan, artista fazendo arte.

- Wild Horses
http://alphaeridani.blogspot.com/
Inteligência e sensibilidade de Manuely Silva

06 julho 2010

Inerte

A sensação é que tudo já foi dito
E talvez tenha sido

Hoje me desarmo das palavras pra dizer:
Esse texto que escrevo é simples e pobre.

Mas é assim que ficam os corações quando recomeçam.
A amar e a esquecer.
Ao mesmo tempo.

Cada vírgula é imprópria
As páginas em branco estão por dentro de mim.
E elas não passam de borrões e rascunhos.

Aquele familiar gosto doce de mágoa
Fazendo minha boca salivar
E os olhos fazerem o que mais sabem: lágrimas

Um texto pífio de lamento e desordem
A tendência de um corpo cansado de navegar
Por mares salgados

Uns olhos sem brilho, uma voz rouca
Um grito de carinho preso na garganta
Se recusando a ser engolido.

Quem sabe, nesse exato momento
Eu esteja desistindo de ser poeta
E sendo apenas um sofredor comum
Sem nenhum charme
E contas a pagar

03 julho 2010

Ciência

Participem ao mundo os segredos
Que existem dentro das nozes
Dentro das coisas ôcas

Informem aos sobreviventes a dívida que terão de acertar
Divulguem o local do túmulo, coloquem maçanetas nas tampas
Para que os próprios mortos possam se trancar.

Revelem que não é segura a primeira rua à esquerda
Digam que a faixa de pedestres sumiu com o tempo

Escondam as tesouras e facas amoladas recentemente
Mostrem os selos de segurança e as caveiras nos venenos

Eduquem os corações para as noites solitárias nas grandes cidades
E organizem os rumores das rezas à luz de candeeiros nas pequenas vilas.

Apaguem velas, queimem incenso
Joguem fora o almoço de hoje
Deem as pérolas aos porcos

Anunciem como se lêem pensamentos
Cacem as bruxas e reservem um lugar para elas nas torres altas
Cancelem a festa de aniversário
Atualizem os romances
Sinalizem a saída de emergência, quando houver

Esclareçam as letras miúdas dos contratos
Decodifiquem as bulas de remédio
Esqueçam o mal que o sol faz à pele
Desistam de ver a lua cheia

Seria tão mais fácil se tudo fosse à luz clara
Se soubéssemos do teto condenado a cair
Sobre nossas cabeças de cabelos fracos
De pensamentos tristes e juvenis
E nossos corpos tensos e cheios de boas e más intenções

Pela última vez
Avisem aos próximos
Que alguém retirou as placas de perigo
E minou o terreno.