18 dezembro 2021

Conchas.

 Onde estão tuas pérolas?

Sei que tens alguma aí nos teus bolsos. 

Eu sempre encontro uma quando menos espero. Um dessas manhãs, em janeiro, quase engoli uma no café.

Era de um tom rosé tão impossível para uma pérola.

Mas o que entendo eu de surpresas?

Outro dia algo me incomodava no sapato. Eu sabia: era uma delas, menor que as outras mas talvez a mais brilhante da minha coleção. 

Dia desses, num domingo, cuspi duas de uma vez no meio de uma gargalhada.

Onde está teu mistério, meu bem?

De vez em quando encontro umas prateadas debaixo do meu travesseiro, geralmente quando sonho dando adeus de uma plataforma. Pérolas da cor do trem que levava alguém que eu amava muito.

Essas me assustam um pouco, consigo ver meu reflexo nelas.

Todo outono eu sacudo minhas roupas e junto as pérolas que caem, são tantas. 
Mas em compensação, passo meses sem encontrar nenhuma.

O que você vai fazer das pérolas que você encontrar nas suas gavetas, no seu escritório, no cabelo da pessoa que você acaricia? No seu gato e no seu cão?

Estou tão curioso quanto a isso. 

Tragam suas pérolas, meus convidados. Não aceito não como resposta.
Tragam todas, podem ser dessa cor marfim que já conhecemos, podem ser cor de lágrima, rosé, prata, qualquer cor.

Podem ser tristes, rebeldes, podem machucar sua mão, seu coração, seu juízo. Podem enfeitar tuas vitórias, teus fracassos, tuas vergonhas e orgulhos.

Vamos combinar um dia em setembro e vamos colocá-las na mesa.

Sentaremos, beberemos um pouco de vinho e diremos:

"Apesar de tudo, temos pérolas."


Às Vésperas.



Acordou naquela manhã de um pulo
Sem perceber já estava passando manteiga no pão e olhando para todos os relógios da casa
Como se em um deles houvesse a resposta  que ele queria.

Mas resposta para qual pergunta? 
Ele na verdade queria a pergunta e a resposta, mas lembrou de sua mãe lhe dizendo "não seja tão ambicioso, criatura."

Não terminou nada que começou a fazer: se afastava das louças e cafeteiras olhando tudo pela metade, inacabado.
Assim tudo parecia mais familiar.
Rodopiou pela sala em busca das janelas: não fazia calor, não fazia frio

De repente estancou ciente da razão de toda aquela agitação:

"Estou para acontecer"

A qualquer minuto, eu vou entrar por uma dessas portas.
A qualquer minuto meu vulto me espiará pelas janelas.
A qualquer minuto vou ouvir minha gargalhada, sempre com um soluço de desconsolo no final.

Sentou e esperou:

A qualquer minuto ele irromperia naquela sala gritando, cantando, em silêncio, dançando, rindo e chorando, pedindo para ser contido.
Ele pensou
"Mas não vou me conter: vou me trair"

Sentado esperando. Sentado esperando. De pé esperando. Deitado esperando.

"Estou fazendo esperança" pensou angustiado.

De repente escutou um clarim, olhou para o sol brilhando lá fora.
"Eu devo estar chegando agora."

Quanto tempo ele esteve às vésperas de si mesmo, não sabemos.

Quando ele aconteceu, os relógios pararam, inúteis.
Mas sabemos que no último minuto ele se contemplou chegando e disse:

"Finalmente sou eu."




06 fevereiro 2021

O Amor Não É Azul


Não sei dizer a cor que ele tem
Furta cor? âmbar?
Cores difíceis de descrever, como cheiro de barata.

Igualmente causa arrepios.

Se eu fosse um pintor, e fosse pintar o amor:
Me lambuzava com todas as tintas, bebia elas e depois vomitava na tela e dizia:

"Está aí O Amor"

Está aonde O Amor?
 "Eu não sei, eu não sei, Dindi"

Que gosto tem o amor?
"Quando provarem o fruto, digam o gosto pra mim"

Mas estou brincando com vocês: as músicas todas descrevem, dissecam o amor em todos os detalhes:

Dizem que o amor é azul.

Talvez seja, mas o que importa sua cor, seu cheiro, onde está e quantas vezes ele bebe água por dia?

O meu amor, esse eu sei:
Que nem as cigarras, passa anos debaixo da terra, para depois sair ao sol, cantar, dançar, fazer um espetáculo
E morrer logo depois.