28 junho 2010

Infeliz Palavra de Ordem.



Esquecer o barulho que o mar faz
Esquecer que é amarelado o fim da tarde
Esquecer o sabor dos macarrões
Esquecer o caminho da sua casa
Esquecer o filme do cinema
Esquecer.

Esquecer a âncora
Esquecer o guarda chuva
Esquecer as chaves de casa
Esquecer os óculos
Esquecer a letra da música
Esquecer o tema da poesia

Esquecer a dança
Esquecer o passo
Esquecer o ritmo
Esquecer a lágrima
Esquecer o céu
Esquecer a lua
E as estrelas

Esquecer a beleza
Esquecer teus olhos
Esquecer tua voz
Esquecer teus cheiros
Esquecer o fio branco
Esquecer o sapato de cristal

Esquecer o amor
Esquecer a raiva
Esquecer o perdão
Esquecer o livro
Esquecer tua mão
Esquecer tua ajuda
Esquecer tua tristeza

Esquecer teu deus
Esquecer tua paz
E tua alegria
Esquecer teu nome

E esquecer de chorar
E esquecer de te ver
E esquecer de viver
E esquecer de parar
De esquecer.

Triste, eu lembro o barulho que amar faz.

27 junho 2010

Solitária Mente



Frequentemente
Escolho os versos
Repasso as memórias
Desfaço os laços
Afasto o prato

Dolorosamente
Relembro a partida
Revejo a chegada
Escrevo o vazio

Preciosamente
Seguro o choro
Solto o riso
Fecho os olhos
Disfarço o grito

Silenciosamente
Entendo o sonho
Reviro do avesso
Releio a poesia
Escuto o adeus

Ultimamente
Pego no tranco
Piso as calçadas
Canto os sambas
Durmo as óperas
Visto o véu
Abro a porta
Descubro horizontes
Esqueço um rosto
Suspiro por uma voz
Guardo o segredo
Amo o que nunca será.

26 junho 2010

Avant


Nunca desfiz as tais malas
Não uso nada que está lá dentro
Não passou por quarentena

As bases militares de todo o mundo
Não se interessaram por elas

Todo fim é assimétrico.

Minha mania de pôr a cereja no centro do bolo acabou.

Mas o fato é que o presente não faz, entretanto, o menor sentido.

As histórias se repetem, com novos nomes e lugares..
Não, me recuso.

Bom, como não tenho poetas à minha disposição, eu mesmo tenho que falar das feras que estão soltas:
Esqueci quem eu tinha de esquecer, trabalho árduo de anos, clínicas e mais clínicas de reabilitação no quintal de casa.
E agora? olho para mãos vazias e sei que nunca gostei de ver mãos vazias.
O que há para além do amor?
mesas de bar? divãs? palcos? noites insones?

Mas vou ser doce, porque quero que se alguém que eu amo ler isso, me escute doce.
Olha, todas as vezes que eu cantar e não souber onde pôr as mãos.
É de tanto amor, desconcertante.
Sempre que eu acordo, no pólo norte, eu penso em você no pólo sul.
Que fica a algumas quadras de distãncia

E aquela mala radioativa
Quase extra terrestre
O governo americano que se encarregue.

Meu presente sem formas, desafio para arquitetos, físicos e matemáticos
Ainda que com cores repetidas das solidões que já vivi antes,
É todo feito de fumaças.

Nem eu mesmo o tomo pra mim.
E isso me deixa livre
E doce, caso alguém que eu ame, leia.

22 junho 2010

Céu Cinza e Um Zumbido

A notícia diz que o tornado arrancou o teto de casas, igrejas e escolas.

Às vezes consigo ver minha cama levada por enxurradas.
Meu brinquedo que perdi na mudança
Uma tragédia

Que trago na voz, das perdas do passado?
A própria voz, eu diria.
A cor escura dos cabelos, antes claros.
Sempre insisto nisso.

A última vez que eu quis cuidar de alguém,
Senti frio intenso por ver perder.
A terrível imagem do vulto sumindo na poeira.

Ganhei um cacto. E sei que ele mal precisa de mim.
Fico olhando os espinhos e sua forma torta:
Mal precisa de mim.
E não passo de um inútil que o observa.
Não sei amar assim: meu ato é pegar pela mão e apontar caminhos

Mas mal precisam de mim.
Embora depois morram como um cacto (sim, porque cactos também morrem)
Que não passam de flor delicada.
Orquídeas com espinhos.

No rodapé do mundo, estou eu.
Torto em busca do sol.
Esperando a manchete do dia
Que fale que a minha casa foi vendida ontem.
Que me mudei para outro país
E vivo numa casa branca, chão de areia, e me alimento de peixe e frutas.
E não amo sequer o vento que entra pelos meus janelões.

E com a voz carregada de passado, eu só falo do presente.
Que é tão igual
Os mesmos sustos, o mesmo frio, o mesmo barulho de chave na fechadura.
Impiedade.
É a última vez que vou beijar alguém
Com o carinho de ontem.

Sou meu próprio brinquedo, essa é a verdade.
Mal preciso de mim.

Eu vi e continuo vendo o tornado ir e voltar.

19 junho 2010

Mais uma Flor.

Preciso que a música pare, então consigo te dizer umas palavras.

A solidão é, por si só, um destino.
Se eu nunca mais dormir cedo, entenderei os buracos negros do universo.
Mas tudo que eu quero agora é saber onde você passou o dia.

Que pensamentos teve, o que sentiu quando abriu os olhos e viu a luz do sol.

Vai chegar um tempo, em que nenhuma palavra minha será para ti.
Que escreverei sobre flores, pássaros e raízes.

Mas já agora, sei que você não usa uma letra sequer que eu digo.
Recolho tudo do chão, minha cesta é branca e amarela.
De longe, parece que levo margaridas.

Nos vejo dois seres solitários, um mais que o outro, porém sonhadores.
Para não dizer sonhantes, que é mais apropriado, porém sei que essa palavra não existe.

Mas metade do que existe não é visto, nem sabido.
Quanta coisa eu não sei, e existe.
Tudo que existe em mim, e você não sabe.

Preciso saber o que você pensou antes de abrir a porta de casa hoje.
E saber a razão das suas mais recentes lágrimas.
Preciso saber apenas para que assim, oficialmente, existam as palavras que quero inventar

Para que me entendas, finalmente.
E que na noite mais solitária, o sonho vire realidade.
Se for um bom sonho
E a música recomece
E pelo menos um de nós saiba do que existe e do que precisamos.

14 junho 2010

Olha (II)

Falta pouco para tudo acabar
Já vejo o sentimento sendo engolido pela multidão

Não passo de mais um refugiado
Habitando porões mais uma vez.

Um dia você me encontrará em meio a cobertores
Com o rosto sujo de fuligem, e os olhos assustados
Porém ao ver a porta aberta, fugirei
E você nunca mais me verá vulnerável

Há no mercado uma máquina
Que reinventa o usuário.
A partir da sétima vez que a máquina for acionada
A gente sai dela outra pessoa

Não é tudo que vai acabar
Só o que importa realmente
As coisas supérfluas e intangíveis, as espumas, continuarão

E um dia você ainda me verá
O mesmo de sempre
Ainda que saindo setenta vezes da máquina
Que em um determinado ponto
Faz a gente voltar a ser o que era no começo.

Mas aquele porão que habitei,
Só foi meu lar por um único dia
O suficiente para me sujar de fuligem e assustar meus olhos.

Mas nada que a máquina não resolva.

Talvez hoje exista a solidão
Porque você entendeu a engenhosidade da máquina
Como uma caixa de Pandora que liberta males.

Tudo isso porque:
Um dia você me viu
E olhou para o outro lado.

13 junho 2010

Olha.


Um dia você me verá
Talvez longe, caminhando sobre brancas areias de uma duna.

Um dia você olhará ao redor
E encontrará meus vestígios.

Olhará sua cabeceira e verá meu sinal.
Estive lá, o tempo todo.
Surpreendentemente belo
Visível, paupável, e plenamente amável.

Um dia você lerá meus escritos
Ouvirá meu choro, sentirá saudade.
Um dia você vai querer que alguém diga
Que você emagreceu, que seu café está forte, que seu coração é bondoso
E notará que era eu quem dizia
Todos os mantras
E ouvirá meus silêncios

Um dia você sentirá falta de algo
E saberá que o que falta
É meu olhar para ti
É minha oração pra que Deus te proteja
E minhas recomendações
De que não esqueças o guarda chuva
Porque o céu está cinza.

Um dia você terá vontade de me contar algo
De me mostrar uma música
De me chamar pra ver o sol nascer

Um dia você me verá.

E nesse dia, que não seja tarde demais,

Dependendo da poesia
Dependendo do desejo
Dependendo da lição aprendida
Dependendo do lugar e da hora
Você entenderá o que escrevo
E minhas respirações suspensas.

11 junho 2010

Ti


Meu corpo todo inspira cuidados.
Cada olhar meu para ti
Chora, canta, reza uma ave maria

Olha por mim, pecador até na hora de nossa morte
Se uma flor surge de um jardim secreto
É bom guardá-la em um de teus muitos livros

Meus olhos se derramam a cada clarão mais forte
Nas trevas que seguem, eles brilham como um felino na caverna
Te espionam, vítima

Voltam as nuvens, aquelas em formato de coelhos e aviões
E eu dançaria se soubesse, em meio a um descampado
Se houvessem descampados
Mas as flores estão por toda parte, e árvores altas

Se chove, vejo as lágrimas caindo do céu:
Porque não sorris comigo?
Antes do eclipse, me dá tua mão!
Ou simplesmente dormes em paz
E minha noite vira dia.

A última palavra que te digo volta pra dentro de mim
Pra que o sabor das coisas doces da vida
Não se torne amargo jamais
E eu mantenha o sorriso congelado
Os olhos brilhando como vidro
Os braços abertos , as mãos cheias de calor
O coração puro

E amém.

10 junho 2010

Nenhuma Chuva


Alguém ri.
Alguém desencoraja.
Alguém despreza.
Alguém balança a cabeça em desaprovação.
Alguém sorri com pena.
Alguém se irrita.
Alguém tenta convencê-lo do contário.
Alguém é irônico.
Alguém o subjuga.
Alguém desiste.
Alguém manda esquecer.
Alguém espera esquecer.
Alguém se cala.
Alguém prevê futuro.
Alguém o acha tolo.
Alguém o acha louco.
Alguém o acha nada.
Alguém não sabe de nada.

08 junho 2010

Moto Contínuo

Desde a primeira vez que a engrenagem da vida começou a ranger
O barulho inicialmente era quase insuportável.
Nenhum óleo resolvia.

Hoje os barulhos do trânsito e da cidade são maiores.
Abafam ruídos e as sombras dos prédios ocultam o gesto de carinho.
A entrega de uma flor

Onde caminharemos, sozinhos, se os espaços estão preenchidos?
Porque sempre chegamos depois?

A imagem da formiga que vai decidida voltar ao formigueiro com sua folhinha nas costas, mas a entrada está tapada.
Quem nunca viu a movimentação firme e rápida? Vai e volta, tenta e volta. E agora??
Ela procura outros caminhos. Parece automática.
Mas sabe-se lá as angústias que deve sentir.

Mas falei da formiga pra perguntar:
Que faço com esta folha que eu carregava?
Pesada e verde de esperança?
Não vamos mais devorá-la numa noite quente ou de chuva.
Nada de manhãs confortáveis.
Nada de remédio para a solidão.

Porque andamos sozinhos?

Meu cemitério de folhas e paixões.

De madrugada, quando tudo mais silencia.
Escuto amargo o ranger da engrenagem.
Penso que finalmente vai quebrar.

Mas só os amores morrem.

06 junho 2010

Desbotada

Pego aquela antiga esperança que estava no cesto de roupa velha
Basta ser costurada novamente
Não me cabe mais, mas talvez eu emagreça.

Todo dia de manhã, ela na ponta dos pés olhava a rua
A janela foi um erro de cálculo, ficou alta demais
Os vizinhos esperavam dela o cheiro de café
Quando soube disso, ela passou a fazer chá.

De noite ela se cobria toda na cama
Nada ficava de fora. O gato a procurava e não a via.
Não era esconderijo, era aconchego.
Mas ela não percebia o quanto os outros precisavam vê-la.

De tarde ela não existia, seus vestidos verdes ficavam pendurados no varal, sem dona.
Nunca foi vista na hora que o sol se põe.

Sonhei com lares melhores para minha esperança de menino
do que um velho cesto de roupas.
Mas sua traquinagem e sumiços ocasionais, levaram-na ao desuso.
Aprende a lição agora, verdinha.
Recupera tua cor.
Que eu faço a minha parte.

Paixão Até Ontem.

Minha nova paixão
Tem cor âmbar
Mal vislumbro os contornos
Porque sempre fui de cores fortes e quentes.

Tem pontos e vírgulas
E uma cadência no falar
Com um sopro rouco no fim das frases
Mal escuto as consoantes
Que sempre foram meus obstáculos

Tem nas mãos um suor constante
De gente viva, de emoção, de querer ter
Mal percebo as marcas que deixa em tudo que toca
Porque marcas ainda me assustam

Tem uma casa na floresta
Encantada. Unicórnios vão beber no seu lago particular.
Mal acordo do sonho e já ouço tropéis e clarins.
Sempre volto a dormir até que o próprio sol me acorde.

Tem todas as cicatrizes e sinais que gosto
Tatuagens invisíveis que denunciam belezas e promessas de afago.
Mal descubro as imperfeições na pele, nem nos lábios
Porque não sei diferenciar o perfeito do não perfeito

Tem o cheiro do oceano e do sertão
Dos navios naufragados e do cansaço de léguas ao sol
Mal catalogo as fragâncias porque são todas
E meus rascunhos são feitos em qualquer papel, que acabo perdendo na bagunça que sou.

Tem as horas todas, cada ponteiro do relógio a seu favor
Todas as rotas de caminhões lotados de cargas, apressados em chegar ao destino final.
Tem as areias do tempo e prazos
Mal escuto o tic tac,
Pois minha única opção é o esperar, doce.

Minha paixão tem outra paixão
Arco e flecha, carrossel de um velho parque abandonado
Range, dá choques, descasca a pintura, mas roda.
Tem um olho que não me vê, tem ouvidos surdos para meu registro vocal.
Tem um plano que não me inclui.
Mal engulo o pão de cada dia e o olhar não dirigido.
A ausência sempre presente.
Que mastigo sentindo cada sabor.

Reúne todos os cheiros, as cores claras, as marcas, os parágrafos, os elfos e fadas
Cada consoante difícil de dizer e cada cálculo impossível.
Cada linha do passado e cada pôr de sol de hoje.
Cada gosto de sal de lágrimas e cada uma das cores da minha velha aquarela
Cada futuro coberto de açúcar ou de incertezas.
Mastigo como uma fruta vermelha, cor quente que sempre tive.
É a cor do sumo que escorre pelo meu queixo.

Quando mastigo
E mal engulo.
E me novo apaixono e enquanto não desisto de todo, olho além
E dessa vez não morro.

01 junho 2010

Eu, Hoje.


Me derramo como um rio pra dentro de mim mesmo.
Meu carinho é sabor de hortelã
E eu gozo com essa refrescância.

Outrora falei de serenidade
Mas era cheia de mágoas
Agora é que nem chuva de rosas

No dia que me espantei com o azul do céu
Não esperava uma cor tão forte e natural
Sempre penso em tinta.

Evito olhar para a parte de mim que chora
meu rio é caudaloso, e agora inventei de ter peixes
São translúcidos e pequenos, brilham e não tem memória
Nada de monstros marinhos

A parte de mim que chora é a mesma que acorda de manhã atônita:
A vida começou faz tempo!
Só vou usar urucum pra pintar qualquer coisa que eu queira que pareça sangue.
Aprendi com o céu a sorrir, ainda que de um cinza solitário.

Por falar em solidão, navego em meu próprio rio.
Vai dar no mar, cheio de sal e vida.
Olho os remos e penso: - Por favor, me levem de volta!
Mas não escutam, nem meus braços, nem a correnteza.

Na verdade, eu quero ir.