26 janeiro 2007

Duelo


Ela olha o objeto do seu amor deitado ao seu lado.
Ele dorme inocente.
Ela observa o contorno de sua orelha, o brilho do cabelo e percebe a respiração calma.
Inspira, expira..

Ela também, e sorri com docilidade.
Se olha no espelho no canto do quarto
Vê rugas de longe, na penumbra
Ela pode ver que seu olhar é cheio de dores
O sorriso some imediatamente

As rugas, as marcas, a dor no olhar
É culpa dele, que dorme sem culpa
A última palavra que ele lhe disse antes de adormecer foi um "boa noite" resmungado.
Grosseiro.
"Ele me odeia" ela pensa
Mas sabe que nem isso

Ele a despreza, ela sabe.
E ela o ama.
Ela acha.
Na verdade ela não sabe mais de nada.

Ela fecha os olhos, cai uma lágrima
Espremida dos olhos, como suco de limão
E de igual sabor, azedo.
Ela de olhos fechados se pergunta porque está ali
Velando, parada, deitada, amando alguém que a despreza.

Ela se olha com raiva no espelho
"Porque você faz isso a si mesma??"
Pergunta revoltada ao reflexo
A mulher no espelho não responde, chora.
Ela tem pena, muita pena de si mesma

Olha pra ele, que já começa a roncar
Ela o odeia, deseja que ele se engasgue e morra dormindo.
Ela se odeia, pobre mulher
Odeia um dia ter amado.
Odeia não ter sido amada.
Ela não sabe mais a diferença de amor e ódio.
Pois plantou um e colheu outro.

Ela enxuga as lágrimas, está exausta.
Se deita, mas distante dele
Tentando sentir mágoa, um orgulho repentino
Um abismo na cama entre os dois.
Mas não dura muito
Num ato reflexo, o braço dele a procura, e ela percebe.

Humilhada, ela se aproxima
Não sabe dizer não.

Não consegue dizer não.

Num minuto o sol nasce.
Entre tantas coisas, ela perdeu mais uma noite de sono.
E assim a vida passa.


12 janeiro 2007

Antes Que Venham Os Maus Dias


Vai menininho
Vai brincar com teu carrinho novo
Mais tarde virão roubar tua alegria

Vai deitar na tua rede colorida
Descansa, repousa, balança ao vento
Depois tua árvore cairá e não terás mais abrigo.

Vai correndo com tuas moedas
Comprar o tão desejado doce
Porque depois..
Oh menino, como serão amargos os sabores

Aproveita menino, que te sentes protegido pelo teu pai
Um dia tu mesmo terás que te proteger, porque não haverá um pai capaz de tal coisa
E saberás o que é o abandono

Abraça, menino, abraça
Depois te será negado o carinho.

Mas menino, não perdes a esperança
Pode ser que tenhas sorte
E sejas feliz, quem sabe.

E tua vida seja doce e alegre e em paz.
Mas não vives para esperar por isso.

Porque a vida tem um senso de humor terrível
Adora destruir crianças como você
Pede um pão e ela te dá uma serpente.

Vai menino, esquece o que eu te disse
Apenas brinca, pois é tempo de brincar.
E boa sorte pra ti.

03 janeiro 2007

Turbilhão

E o mundo gira e as nuvens passam e eu tenho que andar na sombra porque o sol faz mal pra garganta e tenho que ter voz pra cantar porque quem canta os males espanta e preciso espantar meus males porque ano novo vida nova embora ano passado não tenha sido assim porque sofri muito e me frustrei muito e a culpa de quem é eu não sei nem quero saber porque o ano passou e águas passadas não movem moinhos pelo menos não os meus já que eu quero é ser feliz e saber se é possível alcançar a tal estrela inalcançável enquanto o mundo gira e eu ando na sombra porque o sol derrete meu sorvete de morango que não é meu sabor predileto mas é só o que tinha e também é bom menos pra garganta mas que se dane porque não me privo mais de nenhum prazer na vida pois para privar existe a própria vida e não durmo na hora certa nem chego na hora certa e no pesadelo corro e não saio do lugar e quando acordo sinto alívio mas estou atrasado estou sempre atrasado digo a mim mesmo corre corre vive vive ama ama porque o tempo é curto e a vida é longa mas sem garantia alguma apenas a do prazer do sorvete de morango e de quando eu não me atrasar mais e espantar os males e cantar e cantar e cantar e sorrir pra você quando na verdade sorrio pra mim mesmo porque só eu sei o quanto eu preciso deste sorriso e o que eu preciso eu me dou porque sou generoso para comigo mesmo não sei me negar nada quando vejo meus olhos sedentos aprendi que quem tem sede deve ser saciado e eu tenho sede e fome e algo mais minha satisfação é inalcançável é a própria estrela inalcançável meu amor é a própria razão de viver e meu pensamento é o próprio mundo que gira gira gira gira gira giraaaaaaaaa...