11 setembro 2008

Um Suspiro

De longe eu o via:

Parado, estático, tenso, olhando para baixo. À sua frente, um buraco.
Negro, profundo, sem fim... como costumam ser os buracos.
Tinha acabado de se abrir sob os pés dele e ele não sabia o que fazer.
Cair dentro, pular para dentro, retroceder, passar por cima ou continuar parado.

Racionalmente tentei ajudá-lo, o pobre rapaz despreparado para a vida:
_Põe uma tábua, improvisa uma ponte, atravessa, continua teu caminho!

Ele me olhava com olhos suplicantes e nada dizia.
Suava e tremia, e eu passei a ter aflição também, não quero ver ninguém sumir em buracos.

O jovem pôs as mãos no bolso, tirou celular, chaves, carteira, deixou tudo cair no buraco
Tirou fotografias, tirou brindes, cartões, dinheiro, lembranças, moeda da sorte.
Tirou TUDO, e eu quase chorando via quando um a um , os objetos iam sendo atirados no abismo.
Que ia aumentando, quase engolindo o rapaz que parecia agora menor e mais leve.
Tirara o peso dos objetos que carregava, e me disse com tristeza mas alívio, como se justificando:
_Quero ter apenas meu próprio corpo.

E eu pensei "pra quê, meu Deus????"
Não é o nosso próprio corpo mais pesado que tudo que carregamos?
Pois nele deve estar a alma e o espírito que são de um peso insuportável.
Por isso muitos de nós andamos curvados.

Olhei aquela que eu sabia ser a última vez para o rapaz que agora era vulto indefinido mas vagamente familiar e eu ainda pude dizer:
_É a vida que vivemos.

Ao que ele sorriu e retrucou:
_Sim. É a vida.

E não vi mais buraco algum e noutro instante o próprio rapaz que tinha os meus olhos tinha sumido. Lembrei daquele sorriso e do peso leve da sua alma e corpo.

Os buracos negros se abrem não aos nossos pés, mas em nossos corações e tragam tudo.
Tudo, tudo tudo que é tragável.
Já joguei minhas chaves, meus livros e óculos. A alma não jogo porque apesar de ser a responsável pelas dores, é pesada demais e não se move um centímetro de mim.

É a vida, mas vivemos.

30 agosto 2008

Uma Única Manhã

Vento frio, sol lá fora.
E penso: "como pode?"
Mas sei que é algo comum de acontecer, eu é que apenas hoje parei pra perceber, ou minha pele está ao avesso e sinto mais as coisas porque a parte sensível está exposta.
Portanto soube o que é comum às manhãs.

Imediatamente me cubro novamente, porque é grande o risco de infecção.
No ar flutuam seres invisíveis que a biologia põe nomes estranhos e eu simplifico: perigosos.
Seres perigosos a mim, que ando com a imunidade baixa desde que chorei de susto por saber que a vida é, simplesmente.

E por a vida simplesmente ser, é preciso estar com todos os poros desobstruídos e o sangue quente, fino e vermelho para quando o corte, termos dignidade ao sangrar.
Hoje já sangrei, cortado pelo vento frio.

Por a vida ser, e ventar frio e o ar estar infestado de seres perigosos pra mim, é que contraditoriamente, passo a descansar e relaxar: é coisa demais para lutar contra, e como diz a música: "I ain't gonna study war no more" e batalha inútil é batalha vencida.

Pronto, o vento deixou de ser frio, pois se aproxima o meio-dia.
Logo o céu estará daquele tom azul-falso-alegre tão comum na vida da gente.

Mas uma nuvem cinza teimosa continua no céu, pois assim como eu, ela sabe que não precisa mais guerrear nem chover, pois já venceu; já houve o vento frio, ele já me cortou e eu sangrei, e do sangue brotaram palavras aladas que eu amarro ao pé da minha cadeira, pois sou apegado a certos seres alados, invisíveis e perigosos a mim.

02 agosto 2008

Em Sã Loucura


Ah, e eu vim te buscar pela mão,vem, segura minha mão, anda, segura!

Para acabar com essa sensação de mãos vazias, essa sensação de não ter você ao lado, essa sensação de não ter...
E sabes que venho te buscar com lágrimas nos olhos porque sei que tu não queres vir comigo!
Ah que cruel, tu não queres vir comigo!

Pois saibas que comigo tu não te transformarias, comigo não nasceria um fio de cabelo branco sequer em ti, comigo tu não engordarias um quilo, comigo tu serias sempre igual, porque eu te conservaria assim.

Porque eu te quero assim, na minha loucura, e na minha loucura, tudo é permitido.

Se tu viesses comigo, tu não me farias chorar mais nem uma lágrima, tu me farias cantar todas as manhãs e dançar todas as tardes, se tu viesses e estivesses comigo eu não envelheceria um dia mais sequer.

Porque enlouqueci com minhas faculdades mentais em ordem. Eu enlouqueci em plena consciência. Em desespero.

Porque o desespero nada mais é que a loucura consciente da desesperança, do seu não-estar aqui, de eu definhar sem que tu venhas.

E como insano, sou capaz de sorrir, e até viver! Com a mão estendida, sempre murmurando, triste e louco: "Vem, vem..."

Mas sei que tu não vens, mas não sei porquê, e sei que tu não virias jamais, porque sou louco mas não sou estúpido, porque devaneio e alieno, mas a consciência lá está, impávida, dura como rocha, fria e carrasca me dizendo:
"Tu não és louco e sabes que estás só, recolhe tua mão e deixa de fingir o amor que tu não tens."

E então não te espero nem te chamo mais, pelo menos por hoje, por agora e por esta hora amanhã.

25 abril 2008

"Nas Nuvens Ou Na Insensatez"


Depois de tanto silêncio, deveria haver muito a ser dito.
Mas não, só umas poucas coisas:

A vida faz de nós uns poetas, ou cantadores, ou loucos ou tristes.
Ou de tudo isso um pouco .

Alguns de nós vivemos em céus azuis e outros em nuvens negras
Muitos estão sempre em uma eterna nuvem num degradé de cinza.
E torcendo para essa eternidade não ser eterna ou não levar uma vida toda.
Queira Deus que vejamos outras cores.

Sim, "VEJAMOS" porque estou nesse seleto grupo aí.
E nunca gostei de cinza, que ironia.

E "seleto" porque embora eu saiba pelas expressões nos rostos e pelos suspiros de cansaço que muitos vivem assim, a gente lá nessa nuvem se sente muito sozinho.

Mas como não há mesmo muito a dizer, vou encerrar esse texto logo após os soluços se tornarem sorrisos e as lágrimas irem pro lenço e os olhos fitarem o além, porque a nuvem, ops, a vida tem que ser vivida até que um dia se dissipe num céu de brigadeiro ou vire chuva e chore sobre a terra.

E eu me tornarei poeta enfim.

28 março 2008

Cá Entre Nós

Era uma vez um jovem, ou uma jovem, ou um velho, ou uma criança ou eu ou você que um dia sorriu ao ganhar uma flor ou um chocolate ou um bilhete.
E achou que a vida ou o destino seria assim sempre: sorrisos.
Depois do presente veio o final que não foi feliz.
O primeiro amor, o grande amor, o único amor, ou seja lá quem tenha sido, simplesmente sumiu no ar, na terra ou na chuva.
E o jovem ou a jovem ou o velho ou a criança ou eu ou você ficou lá em pé, no passado, no escuro, no frio.

E deu passos e "evoluiu" e amou novamente ou não, e tentou e chorou e fracassou e venceu e sorriu e gritou e dançou e cantou e as águas do moinho rolaram.
Mas um belo dia olhou para trás e se viu ainda lá parado, com a flor ou o chocolate ou o bilhete na mão, chorando.
Nunca, jamais saiu de lá para lugar algum.
E aquele vulto do que um dia foi ele mesmo, hoje menor ou maior ou igual nunca poderá sair de lá porque o passado se esquece mas não se apaga.

E aquele choro sentido de criança, de velho , de jovem , meu ou seu nunca será consolado porque o grande e único amor sumiu no vento e ninguém mais (nem o tempo) poderia fazer o que esse grande amor não fez.

O passado se esquece mas não se apaga, e vez por outra dolorosamente vislumbra o pobre vulto esquecido dos amores não vividos, ou dos sonhos não-realizados ou dos sonhos simplesmente.

Era uma vez, um desejo...

09 março 2008

20.000.000 de minutos.

Era hora de pôr as roupas, os livros e a escova de dentes na mala e ir embora.
Ele olhou ao redor e teve certeza: era só isso que ele tinha para levar.
Roupas, livros e escova de dentes.
Pensou se precisava mais do que isso pra viver.
Sim, precisava, mas ele sempre viveu sem ter tudo que precisou.
Decidiu que depois providenciaria o que faltava , se fosse possível.

O importante era ir embora já.
Porque já se passaram 14 minutos desde a hora que ele decidiu que devia ir.
14 minutos era um bocado de tempo para se atrasar, pensou ele.
O peso do atraso o desanimou: as coisas não começaram bem, já se atrasou.
O final não começou bem.

O que não começou bem não poderia terminar de outro jeito.
Sentou-se um pouco na cama com a mala no colo.
Decidiu que as roupas não eram necessárias.
Só peso morto e inútil, ele constatou e deixou-as cair pelo chão.
"Já estou vestido e bem vestido".
Bastava.

Lembrou das fotos, das cartas.. quanta bagagem um ser humano tem que levar.
Lembrou ainda de uma pergunta que fizeram a ele quando pequeno:
"Se sua casa estivesse pegando fogo e você pudesse salvar uma única coisa, o que seria?"
Ele não conseguia lembrar o que tinha respondido na época.
Devia ter sido a escova de dentes, pensou dando de ombros.

O fato é que ele sabia que jamais iria embora de todo dali.
Os agora 17 minutos de atraso diziam isso "Você nunca sairá daqui."
Ele odiava ser desafiado e olhou com um sorriso arrogante para o relógio azul na parede.
Olhou pra porta e pensou: "Será agora. Agora cruzarei aquela porta antes que sejam 18 minutos."
Ele não suportaria 18 minutos de atraso, era um número muito forte. Equivalia a 18.000.000 minutos de atraso.
Foi, com a coluna tensa e reta em direção à porta. A mala não estava bem fechada e livros caíram.
Se baixou para apanhar e tic tac: 18 minutos.
"Mas eu vou embora" disse para si mesmo.
Resolveu deixar os livros pelo chão: eles pularam da mala, queriam ficar.
E na mala só ficou a escova de dentes, azul como o relógio e como os olhos de Isabela.

20 minutos. O tempo passa rápido quando temos que ir embora.
Não ousou uma última olhada pelo quarto, mas antes de cruzar a porta, olhou pelo canto dos olhos para o relógio. Ele parara de funcionar. Os ponteiros estáticos.
20 minutos, pensou ele: o tempo que se leva para deixar algo e alguém.
Para deixar tudo.
Não fechou a porta.

Saiu para o céu azul, como a sua solidão.

24 janeiro 2008

Sobre Helena

Olhando bem havia muita beleza em Helena.
Nada que parasse o trânsito nem gerasse propostas para revistas masculinas, mas sim, nela havia harmonia.
Os cabelos eram cor de mel, brilhantes e sedosos, os olhos vivos e com belos cílios a boca rosada e a pele.. perfeita.
Um corpo daqueles que tornavam-na mais jovem do que era, seios firmes e pernas longas, torneadas.
No mais, Helena tinha esse nome forte, muito bem educada, nunca vulgar, de voz macia, melódica. Inteligente, até astuta. Agradabilíssima... simpática, compreensiva, querida pelos amigos, tias distantes, vizinhos e pelas crianças do prédio.
Helena era uma jovem não linda e arrebatadora, mas bonita, agradável e que certos raios de sol favoreciam muito.
Mas Helena não era amada, jamais foi, jamais conseguiu ser.
Suas amigas, as lindas e as feias namoravam, flertavam ,amavam... Helena não.
Certa noite, acordou no meio da madrugada com sede, bebeu água e foi ao banheiro; se olhou no grande espelho na parede e sorriu... como estava linda assim, meio descabelada, com os olhos miúdos de sono... desejou que alguém pudesse vê-la assim.
E foi dormir.
Conheceu um ou dois homens que se interessaram por ela e ela por eles em intervalos de anos...porém outros mais frequentes gostavam dela, mas sempre havia um problema... Helena os olhava com seus melhores olhos e dava as melhores chances, mas ninguém a culpava por não corresponder aos interessados.
Psicóticos, sujos, burros ou superficiais demais, eram esses que gostavam de Helena.
E ela não os queria, não porque fosse exigente, pois fazia força para aceitar o "bizarro".
Mas é porque ela realmente estava muito além de todos eles.

E o tempo passou... mas muito tempo passou MESMO.
E Helena assim, aquela pessoa formidável e não-amada.
Fora isso, viveu uma vida normal, estudou, trabalhou, etc.
E mais tempo passou.

Helena reencontrou na velhice um homem por quem ela se apaixonara quando jovem,mas que sequer olhou para ela na época, preferia outras mulheres de riso fácil e voz aguda demais.
Ele estava meio acabado e eles então viveram juntos durante muito tempo.Ele se chamava Aurélio.

Uma noite Aurélio não chegou do jogo de cartas com o amigo e Helena resolveu não ligar e ir dormir. Acordou altas horas da noite, com Aurélio ao pé da sua cama, com os olhos úmidos e um cheiro acre de cerveja pairando no ar.
Na ponta da cama, uma mala aberta e roupas.

_Helena, vou embora.
_Por quê?
_Marta.
_Ah... (Helena lembrou da viúva de um carteiro amigo deles, uns 15 a 20 anos mais nova que ela e que Aurélio)
_Desculpe, serei honesto com você: você sabe que ela é linda... e nunca achei que ela fosse me dar bola e... bom, não resisti.
Helena sentou-se na cama de costas pra ele. Um longo silêncio e ele achando que ela estava em choque, continuou arrumar a mala.
Ela finalmente falou calma e pausadamente:
_ Você não estava no dia que me vi no espelho do banheiro... me senti feliz por ser tão bonita... e triste por ninguém estar lá para apreciar.
Passou as mãos pelos cabelos brancos e ralos e continuou:
_ Tinha um shampoo que eu sempre usava e.. meu Deus.. meus cabelos cheiravam tanto... mas você não estava lá Aurélio, nem você nem homem nenhum. Meu sorriso iluminava meu rosto, e hoje vejo meus dentes falsos descansando num copo. Sou toda rugas e veias, mas nem sempre foi assim... minhas mãos eram lisas, macias, bem cuidadas e eu não apertava os olhos para ler... Eu era linda e eu queria alguém que pudesse ver e dizer "meu amor, suas mãos são tão macias... que cheiro bom tem seu cabelo.. você é linda quando acorda."
_Onde você estava quando eu era linda, Aurélio? com outras tão lindas? duvido. Você demorou muito, tanto... você chegou numa má hora e olha só que engraçado... no final só eu paguei pela sua demora.

Helena estava já sozinha, Aurélio se fora e ela nem notou em que momento ele partira. Ele esqueceu o par de meias grossas, ela percebeu com amargo sorriso. Suspirou fundo, deitou-se novamente na cama, olhou o teto, sorriu, chorou, fechou os olhos e morreu.

14 janeiro 2008

A Proposta

E ficou combinado que ela não o olharia nos olhos jamais, e esqueceria as juras de amor, esqueceria as toalhas molhadas na cama, esqueceria a cor dos seus cabelos.
E ele lembraria pra sempre de seu perfume e do som da sua voz ao dar "bom dia" logo que acordava, e das mãos macias torcendo os dedos nervosa.
Ficou combinado que ela seria feliz, e ele seria infeliz, ou o contrário,mas ficou combinado que não se veriam mais.
Porque com ele ela chorava mais, ela dormia mais tarde, ela emagrecia. Com ele ela não lembrava de pintar a raiz dos cabelos nem mandava cartões de Natal pros amigos.
Com ele ela roíia as unhas.
Ele iria mais cedo pra academia, ele poderia ver o futebol às quartas, ele poderia jogar a toalha molhada na cama.
Ou no chão.
Ficou decidido que ele iria amar outra, uma loira natural, uma negra, uma ruiva. Ficou combinado, disse ele a si mesmo, e vai dar certo, disse ele a si mesmo e aos amigos, no bar.
Ela aboliu os saltos altos, discutiu com a colega de trabalho, com a mãe, com o sobrinho pequeno, ela chorou, ela cortou os cabelos e resolveu não pintá-los mais, ela rasgou fotos e cartas, mas estava combinado, ela dizia a si mesma e às amigas ao telefone.
O combinado foi que os dois deveriam ser felizes.
Ele a partir dali saiu sorrindo em todas as fotos, ficou mais bronzeado e com os músculos mais firmes. Seguiu o combinado.
Ela a partir dali perdeu um pouco do brilho dos olhos, nunca mais foi loira, e os amigos a acharam mais jovem mesmo assim.
Achou que seguiu o combinado também.
Não se sabe como foi dali pra frente... a vida é um círculo vicioso, a cada dia é um novo acordo, um novo trato: Eu vou ser feliz e você também, ok?
Ok.