09 março 2008

20.000.000 de minutos.

Era hora de pôr as roupas, os livros e a escova de dentes na mala e ir embora.
Ele olhou ao redor e teve certeza: era só isso que ele tinha para levar.
Roupas, livros e escova de dentes.
Pensou se precisava mais do que isso pra viver.
Sim, precisava, mas ele sempre viveu sem ter tudo que precisou.
Decidiu que depois providenciaria o que faltava , se fosse possível.

O importante era ir embora já.
Porque já se passaram 14 minutos desde a hora que ele decidiu que devia ir.
14 minutos era um bocado de tempo para se atrasar, pensou ele.
O peso do atraso o desanimou: as coisas não começaram bem, já se atrasou.
O final não começou bem.

O que não começou bem não poderia terminar de outro jeito.
Sentou-se um pouco na cama com a mala no colo.
Decidiu que as roupas não eram necessárias.
Só peso morto e inútil, ele constatou e deixou-as cair pelo chão.
"Já estou vestido e bem vestido".
Bastava.

Lembrou das fotos, das cartas.. quanta bagagem um ser humano tem que levar.
Lembrou ainda de uma pergunta que fizeram a ele quando pequeno:
"Se sua casa estivesse pegando fogo e você pudesse salvar uma única coisa, o que seria?"
Ele não conseguia lembrar o que tinha respondido na época.
Devia ter sido a escova de dentes, pensou dando de ombros.

O fato é que ele sabia que jamais iria embora de todo dali.
Os agora 17 minutos de atraso diziam isso "Você nunca sairá daqui."
Ele odiava ser desafiado e olhou com um sorriso arrogante para o relógio azul na parede.
Olhou pra porta e pensou: "Será agora. Agora cruzarei aquela porta antes que sejam 18 minutos."
Ele não suportaria 18 minutos de atraso, era um número muito forte. Equivalia a 18.000.000 minutos de atraso.
Foi, com a coluna tensa e reta em direção à porta. A mala não estava bem fechada e livros caíram.
Se baixou para apanhar e tic tac: 18 minutos.
"Mas eu vou embora" disse para si mesmo.
Resolveu deixar os livros pelo chão: eles pularam da mala, queriam ficar.
E na mala só ficou a escova de dentes, azul como o relógio e como os olhos de Isabela.

20 minutos. O tempo passa rápido quando temos que ir embora.
Não ousou uma última olhada pelo quarto, mas antes de cruzar a porta, olhou pelo canto dos olhos para o relógio. Ele parara de funcionar. Os ponteiros estáticos.
20 minutos, pensou ele: o tempo que se leva para deixar algo e alguém.
Para deixar tudo.
Não fechou a porta.

Saiu para o céu azul, como a sua solidão.

Um comentário:

Anônimo disse...

É assim, quando tudo ao redor nos leva a ficar, e nós sabemos o quanto temos de -precisamos-ir.
Eu acho até que a minha querida escova de dentes, eu a deixarei:o que mais tem por aí é farmácia, dá para comprar outra...
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Mais uma vez, vc escreve o que o coração quer dizer e não sabe como.
Abraço;-)
Ivana