24 janeiro 2008

Sobre Helena

Olhando bem havia muita beleza em Helena.
Nada que parasse o trânsito nem gerasse propostas para revistas masculinas, mas sim, nela havia harmonia.
Os cabelos eram cor de mel, brilhantes e sedosos, os olhos vivos e com belos cílios a boca rosada e a pele.. perfeita.
Um corpo daqueles que tornavam-na mais jovem do que era, seios firmes e pernas longas, torneadas.
No mais, Helena tinha esse nome forte, muito bem educada, nunca vulgar, de voz macia, melódica. Inteligente, até astuta. Agradabilíssima... simpática, compreensiva, querida pelos amigos, tias distantes, vizinhos e pelas crianças do prédio.
Helena era uma jovem não linda e arrebatadora, mas bonita, agradável e que certos raios de sol favoreciam muito.
Mas Helena não era amada, jamais foi, jamais conseguiu ser.
Suas amigas, as lindas e as feias namoravam, flertavam ,amavam... Helena não.
Certa noite, acordou no meio da madrugada com sede, bebeu água e foi ao banheiro; se olhou no grande espelho na parede e sorriu... como estava linda assim, meio descabelada, com os olhos miúdos de sono... desejou que alguém pudesse vê-la assim.
E foi dormir.
Conheceu um ou dois homens que se interessaram por ela e ela por eles em intervalos de anos...porém outros mais frequentes gostavam dela, mas sempre havia um problema... Helena os olhava com seus melhores olhos e dava as melhores chances, mas ninguém a culpava por não corresponder aos interessados.
Psicóticos, sujos, burros ou superficiais demais, eram esses que gostavam de Helena.
E ela não os queria, não porque fosse exigente, pois fazia força para aceitar o "bizarro".
Mas é porque ela realmente estava muito além de todos eles.

E o tempo passou... mas muito tempo passou MESMO.
E Helena assim, aquela pessoa formidável e não-amada.
Fora isso, viveu uma vida normal, estudou, trabalhou, etc.
E mais tempo passou.

Helena reencontrou na velhice um homem por quem ela se apaixonara quando jovem,mas que sequer olhou para ela na época, preferia outras mulheres de riso fácil e voz aguda demais.
Ele estava meio acabado e eles então viveram juntos durante muito tempo.Ele se chamava Aurélio.

Uma noite Aurélio não chegou do jogo de cartas com o amigo e Helena resolveu não ligar e ir dormir. Acordou altas horas da noite, com Aurélio ao pé da sua cama, com os olhos úmidos e um cheiro acre de cerveja pairando no ar.
Na ponta da cama, uma mala aberta e roupas.

_Helena, vou embora.
_Por quê?
_Marta.
_Ah... (Helena lembrou da viúva de um carteiro amigo deles, uns 15 a 20 anos mais nova que ela e que Aurélio)
_Desculpe, serei honesto com você: você sabe que ela é linda... e nunca achei que ela fosse me dar bola e... bom, não resisti.
Helena sentou-se na cama de costas pra ele. Um longo silêncio e ele achando que ela estava em choque, continuou arrumar a mala.
Ela finalmente falou calma e pausadamente:
_ Você não estava no dia que me vi no espelho do banheiro... me senti feliz por ser tão bonita... e triste por ninguém estar lá para apreciar.
Passou as mãos pelos cabelos brancos e ralos e continuou:
_ Tinha um shampoo que eu sempre usava e.. meu Deus.. meus cabelos cheiravam tanto... mas você não estava lá Aurélio, nem você nem homem nenhum. Meu sorriso iluminava meu rosto, e hoje vejo meus dentes falsos descansando num copo. Sou toda rugas e veias, mas nem sempre foi assim... minhas mãos eram lisas, macias, bem cuidadas e eu não apertava os olhos para ler... Eu era linda e eu queria alguém que pudesse ver e dizer "meu amor, suas mãos são tão macias... que cheiro bom tem seu cabelo.. você é linda quando acorda."
_Onde você estava quando eu era linda, Aurélio? com outras tão lindas? duvido. Você demorou muito, tanto... você chegou numa má hora e olha só que engraçado... no final só eu paguei pela sua demora.

Helena estava já sozinha, Aurélio se fora e ela nem notou em que momento ele partira. Ele esqueceu o par de meias grossas, ela percebeu com amargo sorriso. Suspirou fundo, deitou-se novamente na cama, olhou o teto, sorriu, chorou, fechou os olhos e morreu.

Um comentário:

Sra Ivana disse...

A questão é que muitas vezes deixamos de ser formidáveis por que não somos amados: quando decidimos ser formidáveis, esperamos ser amados...para ver que toda a "formidabilidade" pode ainda não trazer o amor do outro.
(...)

Embora seja difícil- o amor alheio nos é tão caro!...- aos poucos e através de várias dores me convenço de que é mais digno ser ao menos um pouco formidável.A beleza de Helena talvez não alcance a outros, mas alcança a si mesma...auto-respeito.É o mínimo.
Ao menos podemos envelhecer e dizer: "eu tentei".
Beijo...