26 agosto 2010

Trincado

Andávamos de mãos dadas na rua
Suspirávamos a mesma poluição
Molhávamos os pés na mesma água fria que corria de uma fonte
Que só nós sabíamos

Diante da grande onda que nos atingiu, os verbos se tornaram em tempo passado
Não fazemos mais nada como antes
Só vejo agora tua estranheza: outro rosto e outra voz.
Não tens mais mão nem pés e nem suspiras mais.
Teu compasso de robô é assustador agora.

Nos perdemos um do outro num enorme clarão de festa
Eu ainda sorria quando notei tua ausência
Fiquei parado esperando, aprendi assim a não me perder de minha mãe quando pequeno.
Mas os rios correram, os ventos voltaram, os carros quase me atropelam.

Tinha um novo caminho para te fazer surpresa.
Deixei cair com o susto
Virou trapo e sarjeta, perdeu o valor e o ouro.
Se choro? sempre por dentro
Calos e mais calos de abandonos anteriores
Fui deixado em todas as instâncias

Te vi dobrando uma esquina por um segundo, o sol era forte
Tal qual o clarão que nos cingiu em mil partes
Tu sorrias, como se nunca antes tivesse chorado
Olhou em minha direção, não me reconheceu

Eu engoli minha sina, meu desfecho particular e irônico
Suspirei agora singular.
Refiz e refaço os mesmos caminhos, agora sozinho e pisando firme

Lembra da fonte que bebíamos?
Secamos.

23 agosto 2010

Para Eu Ser Só

Tudo foi friamente arranjado
Cada guardanapo e cada rotação da terra
Para que eu fosse só um apaixonado

Cada mistério entre o céu e o abismo
Cada máquina ordinária feita pelo homem, cada engrenagem
Tudo rangendo por aí, tudo girando e caindo
E eu somente um poeta

Cada flor dada, cada sorriso, cada beijo, o pão que deixei de comer para te dar
E sou só um cantor

Eu mesmo enchi minha cama de cravos
Eu mesmo, minha culpa minha máxima culpa
Eu abracei pra mim todos os erros do mundo para te inocentar
Fui álibi e testemunha
Quando tudo terminou, eu fui sozinho para casa

Ouvi risos, pareciam vir da cozinha
Sons de pássaros revoando, talheres espalhados
A mesa foi posta para dois lugares, mas sento e vejo o vazio
Por eu ser só um amigo

Os ventos trouxeram papéis e folhas secas
Vi versos que fiz passando por mim, soltos e brancos
Vi teu rosto nítido e de olhos fechados
Um Deus um dia resolveu que eu ia nascer e amar e amar e amar
Para ser só.

21 agosto 2010

Parado

Se te amei é porque um dia
A vida foi de uma cor que me agradou

Hoje é indefinido o cenário
Tudo desafina

Porque amei e amo a ti, a ti, a ti e a ti
É que hoje vejo tudo cinza

E no horizonte, mais dessa cor feia e fria.

18 agosto 2010

Só Sei Cantar

Por eu sempre estar aqui cantando
Após horas e horas de choro sobre travesseiros
É que acredito na força de me recriar

Depois as lágrimas cessam, fica só aquela terrível dor da amargura seca
Saem palavras ríspidas, cortantes e vítimas: resultado de torturas inimagináveis na pobre alma.
Porém após tudo isso eu canto
Teimosa, louca e inutilmente.

Por eu não estar preparado pra mediocridade das pessoas, nem pra minha própria
Eu sempre tenho que me recriar
Por mais que doenças congênitas venham junto.
Consigo cantar

E só o que sei fazer, e consigo, no meu leito de morte
Balbucio fracas notas, sem qualidade alguma
Mas por dentro tenho a maior força e o maior consolo:
"o que me alivia são meus tristes ais"

Por eu sempre sobreviver ao abandono e ao desamor
É que meu canto só tem valor pra mim mesmo
Não tenho platéia nem ensaio nenhuma canção antes.

Então caminhando sobre essas águas turvas
É esse o caminho: quem prometeu não cumpriu
Um novo sonho se desfez, um amor que morre, uma amizade falsa, um fim, um ponto, um coração partido.

E eu cantando, até quando?

17 agosto 2010

Amor Furado

Quem diria
Eu perdendo o sono
Eu perdendo as rédeas
E o bom humor

Perdendo mais um ano
Mais uma juventude cada vez mais breve
Perdendo oportunidades de morrer em paz

Perdendo a paz, enfim
Paz que eu nunca tive, mas sempre fingi ter
Quem diria, eu perdendo o tempo de falar e de calar.

Agora é esperar perder o amor
Mais um que destrói e imobiliza
Quem diria eu quase perdendo a esperança
De acreditar na vida
Essa vida ruim, de lágrima todo dia.

Ainda assim, melhor perder o amor que a vida.
Afinal, os dois não são a mesma coisa.

15 agosto 2010

Um Texto Realmente Feliz

Ok.
Você venceu
Agora que entrei em casa, posso tomar meu banho em paz
E preparar um leite quente
Com conhaque, se tiver
E ver tv.

E assim ser feliz.

Mesmo não gostando da programação do dia
Nem de leite, nem de conhaque
Nem de estar sozinho
Nem de tomar banho em paz

Que eu ame guerras, nunca as terei
Que eu ame peças de teatro e filmes no cinema
Nunca serei platéia
Que eu gostasse dos teus olhos castanhos, verdes, ou pretos
Nunca fui visto por eles.
Que eu adore mensagens ao celular
Ninguém sabe meu número
Que eu ame a noite e os sons que fluem dela
Que eu ame as pessoas e suas estranhas manias
Tudo que eu amo, foge e se esfumaça

Estou feliz tomando leite e olhando a tv.
(tela cinza muda e cega!!!)
Esqueci de ligá-la.

Pronto, agora sim, um desenho animado.
Devo rir
É o que todo mundo espera de mim agora:
Que eu sorria vendo isso.

Ok, vocês venceram.
Vejam como estou feliz, rindo de um rato que tripudia de um gato.

12 agosto 2010

Contrações



Como me dói toda a cidade
Com seus prédios e os vidros das janelas
E as luzes
E as pessoas que a gente perde
As pessoas que a gente nunca teve
Todos os buracos vazios e as tampas dos esgotos
Como é solitário voltar pra casa todo dia
Da labuta diária de perdas e danos
De notícias ruins e de gritos ásperos
De gestos de mãos frias e que apontam para outro lado
Quero tanto abraços quanto ficar sozinho
Após a cidade deve haver um grande campo
Para onde se vai quando se quer desaparecer
O amor de anos a fio, acabou
Outros tantos nem começaram
Alguns amigos sumiram
As flores dão espinhos hostis, o pássaro voou
Nenhum animal quer ser domesticado
Não farei mais festas
Não cantarei certas canções
Darei sorrisos repetidos, lembranças de uma infância, talvez
Nada atual
Todo santo dia, nessa cidade, há um pouco de morte
A minha, claro
Um dia mais, outro menos
Mas sempre há o mesmo choro
Que viaja por cada calçada onde ando.
Me segue até em casa, deságua em travesseiros e chuveiros
E renasce cada vez mais forte, com a manhã que cruel
também é promessa de liberdade.
E quem sabe, paz.

Às Cegas

O que há por trás dessa porta?
Por que todo esse silêncio?
Onde guardo os pratos?
Onde escondo os cacos do prato?

Para onde vou agora?
Devo ficar ou seguir adiante?
Visto preto ou azul?
Importa?

As paredes, o teto
Tudo de um azul tão sereno
Os móveis, os sofás são todos confortáveis
As camas quentes
Todos estão felizes

Onde acendo a luz?
Para quem entrego essa flor?
Quem vai comprar o que eu vendo?
Meu aniversário está perto?

Quando meus ausentes chegam?

Da outra vez, eu deixei a sala
E ninguém notou

09 agosto 2010

Episódio Final



Meus segredos acabaram
Outros capítulos de novela virão
Sem reviravoltas, sem casamento nem gravidez
Aqui os vilões são recompensados e o sofrimento dos mocinhos continua após os créditos subirem.

Os atores se despem do papel mas continuam padecendo.
Nada no mundo consegue ser diferente da vida.

Meu cansaço chega longe, estrada eterna de poeira
Versos e mais versos, varridos e reciclados
Todas aquelas manhãs que acordei e vi o céu azul
Eu desejava inventar um novo prazer

Eu enganei meus próprios segredos
Perdi meu controle remoto, não sei (me) desligar

Não sei interpretar um papel sequer, nem de bêbado, nem de mocinho, nem de vilão, nem um personagem de Shakespeare. Nenhuma palavra em minha boca é convincente.

Não sei amar, nem sei não-amar
Sei dizer as palavras erradas, sei ser a pessoa errada na hora errada.
Na hora certa, eu não nasci ainda.

Não sei estar cansado, mas estou
E é desconcertante não saber fechar os olhos para dormir
A vida parece tão longa de estrada de poesia de poeira de dor de pó de amor

As poesias parecem tão longas, também

Poesias...
Inúteis.
Sempre foram.

07 agosto 2010

Desabafo Cego de Lágrimas

Dessa vez é pra valer:
Adeus
Dói tanto dizer isso, mas, chega.

E não, não te perdôo por nada
Não esqueço nada
Terei sempre lembranças ruins
e chorarei ao ouvir teu nome

Me arrepend0 do dia que te conheci
E do dia que nasci também.

Me arrependo por te amar
E por cada palavra de amor dirigida a ti
E por cada gesto de carinho

Tudo em vão
Tanto amor acabou em nada
Tanto amor foi revertido em nada
Em menos que nada
Em dor, em desprezo, em mentira.

Dessa vez foi pra valer: adeus
Como devia ter sido antes

Melhor olhar o mar, enorme, azul e solitário
Melhor chorar vendo a lua branca e virgem
Melhor morrer e ser abraçado pela terra e seus vermes
Do que um dia, ter te amado

Vá ao inferno e fique por lá.

03 agosto 2010

Mais um Adeus de Até Logo.

Quando a dor é muita
As palavras somem, covardes.

Aqui são algumas que catei nos cantos e quinas
E atrás dos móveis.

É preciso ter dentro da gente um mundo
Com pessoas, lugares, Deus.
Porque no mundo de aqui fora, se torna impossível viver às vezes
As pessoas de fora tornam-se estranhas completas
Frutos da total falta de preocupação e amor.

Ou estaria eu com Alzheimer?

Porque não reconheço nenhum dos rostos como amigáveis.
E tenho lembrança de pessoas que me conhecem, mas que acabaram de pegar um avião
Ou outra que está calada há anos.

Não posso recorrer a elas.
Então há o outro mundo.
Mas lá é tão solitário quanto
Sou só eu ou todo ser humano?
Os filósofos já falaram tanto disso, mas não li o suficiente.

O motivo da dor é quando morrem as pessoas
Ou o amor por elas, ou o carinho por elas
Ou os sonhos com elas.
E o pior mesmo, é quando morrem as pessoas e ficam os sentimentos.

O velho amor não correspondido.
Minha eterna sina.

"As coisas deveriam morrer, antes de ficar por aí, perambulando mortas."