22 junho 2010

Céu Cinza e Um Zumbido

A notícia diz que o tornado arrancou o teto de casas, igrejas e escolas.

Às vezes consigo ver minha cama levada por enxurradas.
Meu brinquedo que perdi na mudança
Uma tragédia

Que trago na voz, das perdas do passado?
A própria voz, eu diria.
A cor escura dos cabelos, antes claros.
Sempre insisto nisso.

A última vez que eu quis cuidar de alguém,
Senti frio intenso por ver perder.
A terrível imagem do vulto sumindo na poeira.

Ganhei um cacto. E sei que ele mal precisa de mim.
Fico olhando os espinhos e sua forma torta:
Mal precisa de mim.
E não passo de um inútil que o observa.
Não sei amar assim: meu ato é pegar pela mão e apontar caminhos

Mas mal precisam de mim.
Embora depois morram como um cacto (sim, porque cactos também morrem)
Que não passam de flor delicada.
Orquídeas com espinhos.

No rodapé do mundo, estou eu.
Torto em busca do sol.
Esperando a manchete do dia
Que fale que a minha casa foi vendida ontem.
Que me mudei para outro país
E vivo numa casa branca, chão de areia, e me alimento de peixe e frutas.
E não amo sequer o vento que entra pelos meus janelões.

E com a voz carregada de passado, eu só falo do presente.
Que é tão igual
Os mesmos sustos, o mesmo frio, o mesmo barulho de chave na fechadura.
Impiedade.
É a última vez que vou beijar alguém
Com o carinho de ontem.

Sou meu próprio brinquedo, essa é a verdade.
Mal preciso de mim.

Eu vi e continuo vendo o tornado ir e voltar.

2 comentários:

Arthur disse...

humm, dorothy das tragédias terceiro-mundistas... gostei! =D

Manuely Silva disse...

Adorei. Também preciso cuidar, cactos me deixam ansiosa!