25 julho 2010

Canto de Temor e Saudade




Era manhã, e sempre sou desapercebido.
Entrei na cozinha e ouvi, sobre minha cabeça, um barulho de flauta viva.

Demorei pra entender o que eu via e ouvia, palavras me vieram à cabeça:
ave, pássaro.
Mas nada disso, de forma alguma
O nome é passarinho.

Amarelo, pequeno e canoro.

Alguém o pusera ali, dentro da gaiola, a própria gaiola que eu jamais tinha visto antes.
E ele parecia tilintar, era uma pepita.
E olhei seu bico e os olhinhos e me senti tonto de alguma emoção fugidia.
Dormi dias e o vi de novo, veio pra ficar.
E cantava, como se soubesse que é a única linguagem que entendo.

Passarinho, passarinho, quanto mais eu o chamava mais minha voz era quente e cheia de rios.
Paixão louca por aquele pequeno ser.
O mistério era a gaiola aberta, e ele não voar, fugir.
Imaginei que alguma coisa nele estava quebrada. A asa?
Ou algo por dentro.

Todo dia eu vejo, escuto o passarinho.
É o que existe de mais amarelo e vibrante em minha casa.
Às vezes digo "meu passarinho" e as palavras soam tristes e mentirosas.
O meu amor só é prisão pra mim mesmo.
Tudo o mais que amo voa por aí.

Tenho medo egoísta que ele se cure, ou descubra a porta aberta, confesso.

Um dia a gaiola estará vazia, e eu também.
Desejo por segundos, nunca ter escutado o primeiro e agudo som.
Nunca ter amado o passarinho, passarinho.
Que quer crescer, leio no modo como gira a cabeça
E nas notas que ele entoa quando está distraído

Pois não vou impedir, que cresça, que se cure, que saiba da porta aberta, que voe, que acabe nas garras de um felino ou outro predador.
Mas rezo, enquanto ele canta, que se voar dali, saiba do limoeiro que cresce junto à janela do meu quarto.
E onde haverá sempre água, alpiste e uma voz desafinada que inveja seus trinados.

Um comentário:

BrunoMariano disse...

Tenho certeza de que, depois de saber que a porta da gaiola está aberta, o passarinho voará, em busca de liberdade, de novos ares... Porém, tenho mais certeza ainda de que ele voltará todos os dias, pra se refrescar na brisa do limoeiro nem que apenas por uns minutinhos. Os melhores, talvez.