03 julho 2013

Entre Mundos


Todos os furacões convergindo para o meu quintal e eu decido entrar no abrigo um segundo antes.
Sempre tive habilidade para lidar com ventos fortes, mas nunca sorte.
Era no segundo que eu baixava a guarda que minha casa ia pelos ares.

Agora estou aqui no porão, só eu, uma luz acesa e os ratos.
Mas todo atrapalhado, porque lá fora a casa da vizinha voa, suas galinhas experimentam voos e até arvores.

Não estou lá, pela primeira vez, e não sei sobreviver.

Procuro ver se alguém está na escuridão do fundo do vão.
Um ladrão ou assassino que acaso tenha se escondido para me atacar no momento certo.
Nada: eu, a luz mais fraca e os ratos.


Penso quando tudo tiver terminado.
Meu jardim, meu pobre jardim. Meus lírios! Será que sobrou algum?
Os furacões são imprevisíveis, costumam levar um e deixar outro.
Meu cachorrinho, não trouxe comigo, deve ter ido para Oz.

Será que justo dessa vez o furacão levou tudo para a Terra Prometida? pro Éden? pra Shangri-La?
Seria muito coerente. E eu achando que estava salvo.
Aposto que ao levantar a tampa do alçapão, estarei eu e as baratas, e meus amigos acenando pra mim da nave distante.

Sentado nas escadarias, nem tenho coragem de descer até o solo úmido de encanamentos vazados.
Sou provisório.
Percorro metade dos caminhos.
Solto tudo que eu tinha na mão: era um regador com água, pros meus lírios.


Ora, lírios! Quem eu penso que sou?
Minha ocupação é lidar com furacões, tornados, ciclones, tempestades.
Mas agora enganei a natureza. Desci pro porão.


O sono vem. Nunca fui de dormir. Nunca fui de escapar.
Levanto e as escadas rangem. Podem ranger à vontade.
Subo, em direção à tampa, me sinto saindo do túmulo.
Rebelde, contrariando a sorte e o destino.

Toco a maçaneta, não deixo tempo para meus brios.
Meus anjos e demônios estão em polvorosa, eu não os escuto.


Abro a porta. Todos os rostos conhecidos passam por mim em redemoinho.
Vejo o meu amor agitando os braços,  sumindo pra longe, gritando.
Meus lírios despedaçados, brancos, na poeira.
Sei de tudo, sei como deve ser, sei o que fazer.
Pertenço a isso.
Vôo.


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