11 dezembro 2009

Feliz Ano Novo



Um dia nublado como hoje é minha deixa: passou a anestesia do sol que por me efervescer, me deixa não-pensar naquele corte lá no pé que vai doer quando eu parar e o sangue esfriar.

Pois bem, as nuvens cinzas chegaram e eu parei. E que dor aguda me sobe pelo corpo.

Lembrando de quando eu arrumava mochila e ia dormir fora: hoje só reconheço minha própria cama. Na falta de portos seguros, faço de mim um ancoradouro que ninguém sabe que existe, encoberto que está de vegetação alta.

Lembrando dos amigos que sumiram por aí: uma que deve estar feliz, outro que me disse "vou embora, não estarei aqui quando você me procurar", outros e outras cujos telefones eu sabia de cor.

Os belos pagam com a superficialidade, os inteligentes com a solidão e os puros de coração com a crueldade da vida.
Lembrando de pessoas bonitas, sábias e puras em dia de céu cinza e diante do mar: pareço estar em outra cidade. Não pela paisagem, mas pela possibilidade de viver.

Lembrando da velha atriz que ficou feia e hoje despreza a humanidade; muitos caminhos percorremos se nos decidimos a viver 24hs por dia e não apenas uma parte disso.

Não sei exatamente onde me cortei, mas poderia descobrir facilmente se eu quisesse.
Sei que sempre sou eu que escuto o "vou embora" e sempre sou eu que perco de vista o vulto indo no horizonte ou na estrada e volto pra minha infeliz rotina.

Sempre dou as costas depois, sempre sou o primeiro a chorar e o último a sorrir.
Sempre corto meu pé no vidro que alguém jogou e sempre morro todo dezembro tragicamente ao som de uma música natalina.

Sempre começo o ano mais velho e mais duro: sempre sou eu que lembro que todos os pedidos que fiz à meia noite do ano anterior não foram realizados nenhum e resolvo tentar e fazê-los novamente como um jogador viciado na loteria.

Em segundos tenho que fazer curativo no corte porque não posso deixar uma trilha de sangue por onde eu andar: as pessoas tem que estar confortáveis para me dizer "adeus" em alguma curva do caminho.

2 comentários:

Ivy disse...

Oi amigo.
Eu adoro os teus textos.
Eu acredito que eles nasçam de uma coisa muito verdadeira, que certas pessoas nem desconfiam o que seja.
Este tipo de solidão, esta sensação de que todos dão um jeito de evadir-se e a gente fica assim, a esmo, e o corte lá, latejando.
Eu não tenho soluções mas eu tenho o interesse e a admiração por vc, que considero mais uma daquelas almas boas e incompreendidas que passam sobre a Terra.
Um abraço carinhoso.
Ivana

andre animador disse...

isso sim é arte escrita, pelomenos para mim, parabéns