21 setembro 2018

Miragem

Nada aconteceu aqui antes.
Nunca o beijo, nunca o gosto.

Nenhum ladrão me esperava atrás da porta e nenhum mistério havia nas gavetas.
Nenhuma testemunha, nenhuma onda batendo nos rochedos.

Nada no pote de café, nenhuma xícara inteira.

Coisa alguma se formava nos canos de esgoto, o ar estava parado e sem vento.
Bandeirolas murchas, flores mortas, bichos plácidos com sede.

Tanta fome e nenhuma mesa posta.
Nenhuma antena no telhado, nenhum telhado.

Estendo roupas no varal como quem cumpre um santo ofício.
Vejo as camisas tão alvas tremulando ao vento, todas minhas e tão estúpidas em sua brancura de prontidão.
Prontas para coisa alguma.
Então um dia eu estava em pé olhando para o nada e definhando por dentro.
Olhei para minha sombra no chão e ela era enorme.

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