Ela usa um vestido de trapos, cor de sujeira.
As pontas da saia são acinzentadas e afiadas
Tem mãos gigantescas com garras curvas e destrutivas
Uma força descomunal nos braços frágeis e ossudos
A despeito dos dentes podres, ela não exala cheiro.
Deitada ela mede quilômetros e geralmente é assim que ela se move:
Ela se arrasta.
E ainda assim, paira.
Sua voz é um fio seco e constante, semelhante ao grito quando se cai em um abismo sem fim.
Ela sorri o tempo inteiro, sua gargalhada é uma tosse cheia de gemidos.
É cega e guiada por radares muito mais sensíveis
Ela vê principalmente o que não existe.
Há um inseto com seu nome, mas ela nada se assemelha a ele:
Não é verde, nem voa
Não é delicada nem pousa em ombros
Não faz sentido na natureza, só serve aos humanos
Ela escraviza.
Não mora em quartos escuros nem em paisagens sombrias
Ela ataca quando a gente sorri
Quando a gente suspira
Quando a gente acredita
Quando a gente segue em frente
A placa dantesca, injustiçada, só estava tentando nos avisar:
Deixai toda ela, se quiseres entrar
E sobreviver a este lugar.
Pois o inferno sem a presença dela
É só um inferno com uma porta de saída.
28 maio 2018
15 maio 2018
O Último.
Na fila da vida, o divino estava distribuindo desígnios:
Ao primeiro: "você vai ter uma vida longa e feliz"
Ao segundo: "você vai ser brilhante e terá muito sucesso"
Ao terceiro: "uma vida pacata e tranquila em contato com a natureza"
Ao quarto: "Terá boas surpresas e viverá grandes aventuras."
Ao encarar o quinto, bateu aquele cansaço de ser tão generoso e a pontinha do sadismo que habita cada coisa do universo falou mais alto:
"Você vai amar várias estradas só de ida."
E sorriu sem remorso.
06 maio 2018
Requiem
Escalei montanhas e varei desertos para chegar nesta joia da verdade:
"Será num domingo."
A papelada que não li já dizia isso, estava nas linhas miúdas do contrato que assinei, estava dentro do biscoito da sorte que não abri:
"Será num domingo."
A papelada que não li já dizia isso, estava nas linhas miúdas do contrato que assinei, estava dentro do biscoito da sorte que não abri:
"Será num domingo"
Estava o tempo todo debaixo do meu nariz, debaixo do meu travesseiro, escrito no espelho do banheiro:
"Foi num domingo"
Era isso que a mensagem na garrafa dizia, o pergaminho em sânscrito e o sonho que eu tive tentaram me avisar:
"Tem sido aos domingos"
Ignorei a marca das unhas na parede, os óculos sempre molhados de lágrimas, os cabelos arrancados deixavam claro:
"Será num domingo"
Essa parede branca implacável, a ausência de sons e a sensação de naufrágio não podiam se confundir:
"Tem acontecido aos domingos"
Diante de tantos sinais, não há o que se fazer, não quero fazer, ninguém pode fazer, as pessoas estão no sábado, ou também tem seus domingos, um domingo chama outro domingo e só quero que o domingo chegue logo, o domingo que o outro domingo chama, o domingo que os outros domingos preparam, o domingo que os outros domingos fazem a cama, tecem os bordados, mexem na panela, aquecem no ventre:
o domingo que finalmente cessará os domingos.
Estava o tempo todo debaixo do meu nariz, debaixo do meu travesseiro, escrito no espelho do banheiro:
"Foi num domingo"
Era isso que a mensagem na garrafa dizia, o pergaminho em sânscrito e o sonho que eu tive tentaram me avisar:
"Tem sido aos domingos"
Ignorei a marca das unhas na parede, os óculos sempre molhados de lágrimas, os cabelos arrancados deixavam claro:
"Será num domingo"
Essa parede branca implacável, a ausência de sons e a sensação de naufrágio não podiam se confundir:
"Tem acontecido aos domingos"
Diante de tantos sinais, não há o que se fazer, não quero fazer, ninguém pode fazer, as pessoas estão no sábado, ou também tem seus domingos, um domingo chama outro domingo e só quero que o domingo chegue logo, o domingo que o outro domingo chama, o domingo que os outros domingos preparam, o domingo que os outros domingos fazem a cama, tecem os bordados, mexem na panela, aquecem no ventre:
o domingo que finalmente cessará os domingos.
01 maio 2018
Insumos
Amigo, teus olhos me sobressaltaram
Para eu correr e lembrar de tirar as torradas que estavam assando no forno
Pois mesmo as torradas não podem queimar demais.
E mesmo o sentimento mais despreocupado não pode ser esquecido na janela
Ou os insetos tomarão conta
E, amigo, os insetos também tem o direito deles
De devorar com ânsia o que é doce
E sem proteção alguma.
Amigo vês que te admiro os pés e os braços
Que não são necessariamente aquilo que te move em essência
Mas porque pisam e abraçam
E há um poder nisso que a ninguém suplanta.
Debaixo das telhas do que desabou
Existem colônias de bichos, coloridos, vagaluminosos
Nunca antes vistos nem devorados nem mesmo nos países onde se comem insetos
Uma surpresa reservada para nós dois, amigo
Um cardápio para nosso paladar incomum
Que nem nós saberemos se o gosto é bom ou ruim
Ah amigo e existe a aurora, aquela luz azulada que depois fica branca
E fica amarela, e laranja e vermelha
E volta a ser azul
Porque azul é a cor das coisas que nunca foram vistas
E das flores nunca colhidas
E dos sonhos nunca realizados
E dos campos que nunca viram pés correndo sobre eles nem gritos de alegria
Mas caminharemos passo a passo, apenas
Segurando nossos ventres com constrangimento e prazer
Sobre o caminho que um de nós escolher
Ou sobre os caminhos que ninguém escolheu
E que não são ladeados por flores azuis
Porque não sabemos se gostamos dessa cor
Contanto que haja tua mão, amigo
Apertando forte ou fraca a minha
Ou até distantes
Não saberemos o gosto de nada
Mas pelo menos para um de nós
Será bom.
Para eu correr e lembrar de tirar as torradas que estavam assando no forno
Pois mesmo as torradas não podem queimar demais.
E mesmo o sentimento mais despreocupado não pode ser esquecido na janela
Ou os insetos tomarão conta
E, amigo, os insetos também tem o direito deles
De devorar com ânsia o que é doce
E sem proteção alguma.
Amigo vês que te admiro os pés e os braços
Que não são necessariamente aquilo que te move em essência
Mas porque pisam e abraçam
E há um poder nisso que a ninguém suplanta.
Debaixo das telhas do que desabou
Existem colônias de bichos, coloridos, vagaluminosos
Nunca antes vistos nem devorados nem mesmo nos países onde se comem insetos
Uma surpresa reservada para nós dois, amigo
Um cardápio para nosso paladar incomum
Que nem nós saberemos se o gosto é bom ou ruim
Ah amigo e existe a aurora, aquela luz azulada que depois fica branca
E fica amarela, e laranja e vermelha
E volta a ser azul
Porque azul é a cor das coisas que nunca foram vistas
E das flores nunca colhidas
E dos sonhos nunca realizados
E dos campos que nunca viram pés correndo sobre eles nem gritos de alegria
Mas caminharemos passo a passo, apenas
Segurando nossos ventres com constrangimento e prazer
Sobre o caminho que um de nós escolher
Ou sobre os caminhos que ninguém escolheu
E que não são ladeados por flores azuis
Porque não sabemos se gostamos dessa cor
Contanto que haja tua mão, amigo
Apertando forte ou fraca a minha
Ou até distantes
Não saberemos o gosto de nada
Mas pelo menos para um de nós
Será bom.
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