03 junho 2006

Isso Te Incomoda?

Hoje tive uma "aula de campo" de História do Ceará, e entre visitas a vários lugares historicamente significantes da nossa cidade, terminamos sugestivamente a visita no cemitério São João Batista.

O centenário cemitério exibe túmulos igualmente antigos, no modelo dos cemitérios europeus... grandes túmulos de granito, mármore, cruzes, anjos, tudo muito monumental...nada parecido com os cemitérios americanos das graminhas verdes e plaquinhas no chão.
Mas tampouco quero falar da arquitetura do local, e sim, da reação que ela provoca e de visões interessantes que podemos distinguir se observarmos melhor.

Por que alguns de nós têm uma resistência tão grande a entrar em um cemitério, enquanto outros brilham os olhos de curiosidade e fascínio?!
Uma colega entrou quase que arrastada de medo, enquanto outros, tranquilos, observavam calmamente as lápides e inscrições e outros pareciam estar diante de uma descoberta arqueológica, com aqueles olhos brilhantes que mencionei, agora faiscando mesmo.
A morte como sendo algo abstrato, dessa vez se concretiza na figura do túmulo.
É como se pudessemos dizer: "isso é a morte".
Não se consegue desapegar facilmente à idéia de que não são apenas ossos ali, matéria que nem de longe lembra o que cada ser foi.
Pois havia em muitos o cuidado de não pisar nos túmulos( com o respeito de estar pisando em alguém,vigilante e muito digno,que se ofenderia com passos despreocupados sobre sua morada eterna).
Ao mesmo tempo, nota-se que a existência meio que se prolonga através das diferentes tumbas. A total igualdade que deveria ser advinda da morte, é maquilada em diferença.
Um túmulo é pintado de azul, outro (de uma criança morta há pouco tempo) tem uma plaquinha rosa indicando a localização e uma cruz rosa-choque(sim,isso mesmo) na própria capela onde está o corpo.
Sem falar, na área reservada aos túmulos judeus (sem cruzes, com obeliscos e/ ou a estrela de Davi) e túmulos protestantes (anglicanos), também sem cruzes, mais simples, com lápides verticais,mais no modelo americano mesmo.
A religião, sendo o cemitério católico, é mais do que nunca fator segregador. Evidencia-se depois de inexistente o corpo, a sua fé.

Isso faz com que qualquer pessoa, andando por ali, entenda pelo menos quem foi (e continua sendo) a pessoa que lá está..
Ah,mas a desigualdade não pára por aí,muito pelo contrário.
Tal na cidade dos vivos, onde uma mansão se ergue ao lado de um casebre, lá no "campo santo" também um túmulo gigantesco, negro, de granito, mármore,ornamentado de anjos, querubins, e santos, aparece ao lado de uma covinha rasa, com uma cruz meio torta e o nome do falecido escrito a giz branco.

É uma reprodução da nossa cidade aqui fora, mas como se congelada,onde seus moradores porém, "descansam em paz", muito diferente de nós, os vivos.
E "nós os vivos" é um termo interessante. A sensação de "não-pertencimento" ao lugar é praticamente absoluta.
Estar num cemitério, incomoda, gera nas pessoas comportamentos inusuais, seja de medo, de reflexão, de morbidez, de curiosidade entre outros, mas o fato é que fascinados ou não, fugimos dele.

Por que aqui fora é menos opressor, se sentimos dores, vivemos correndo da violência, sofremos perdas de todos os tipos, somos enganados e maltratados pelos outros( e sempre ressalto) por nós mesmos?
Talvez porque aqui fora também se sente prazer, às vezes paz, ganhamos , aprendemos e amamos...
É a compensação,mas também a sensação de existência. E tantos,incontáveis outros motivos,claro, que não me atreveria a enumerá-los.

Esse texto parece que me foge...talvez ninguém se identifique com ele..mas é exatamente essa a questão da morte...

Que questão?
A morte é pra cada um, o que a vida é pra cada um.

12 comentários:

Anônimo disse...

gostei do texto. vc falou de maneira clara e fácil alguns pontos curiosos que eu mesmo ainda não tinha me dado conta: como a desigualdade social ATÈ "apos a morte". Se vc aprofundasse nesse assunto daria uma boa pesquisa tenho certeza.
abraço

Anônimo disse...

foi eu que escrevi isso ai de cima só pra vc saber quem foi...

*£ua* disse...

Eh... mesmo depois de mortos, ainda existe desigualdade, excluídos, segregações... Esse inferno não acaba nunca, nem depois de morto!!!

Agradeço o comentário que vc deixou no meu blog, ainda que eu tenha demorado tanto a retribuí-lo.

Beijos

Ótimo texto!!! =]]

Anônimo disse...

Vemos que se usam critérios para enterrar os mortos, os católicos tem a cruz, os judeus tem a estrela de Davi, os anglicanos não tem cruz, tumulo de rico, túmulo de quem não pode fazer um túmulo...
Finalmente nossa estupidez encontra os tapurus e os depositores não obedecem critério nenhum.

Na minha opinião o cemiério é um aparelho sacrificador completamento desnecesário. Até mesmo o símbolo da cruz para representar e lembrar o sacrifíio. Esse suplício vonluntário poderia ser evitado se nós nos dessemos o direito de pensar e comparar nossa cultura com a dos grego. Sem o cémiterio muitos dias das mães, dos pais, das crianças, muitos aniversários seriam bem menos tristes se cultivassemos as lembranças sem ter que cultuar o defunto.

parabens pelo texto carlos.
gostei muito de ler!

Anônimo disse...

faltou o "s" no "grego"

Anônimo disse...

!!!

Anônimo disse...

Muito bom...sempre acreditei no seu talento que você tem com os "textos", organização poética das idéias!Suavidade que provoca uma invasão profunda na gente....

Anônimo disse...

Tira o "seu" , viu?Esqueci de revisar...hehe, bjão!

Josy Lima disse...

Adorei o texto, ta cada vez mais arrasando nas ideias e no contexto.
Devia ter feito era jornalismo ou algo na area, pois escreve muito bem.
Agora quanto ao cemitario, tu sabe que não é que eu goste de estar lá, que goste da morte, mas que não tenho nada de tão contra. Sei q é uma passagem natural de todos e tento sempre ver dessa forma, por mais que soframos quando perdemos alguem.
Gosto da calma que o cemiterio me passa, da tranquilidade do local, do silencio, das flores. Mas isso nos cemiterios que não tem aqueles tumulos expostos como no S.J.Batista( desses eu não gosto, acho feio e um tanto incomodo), mas ja naqueles outros...acho bonito e um bom local pra se pensar na vida!

Bjsss

Marjorie Chaves disse...

Adorei seu texto. Nosso fascínio sobre as incertezas da morte é o que nos faz vivos! Esta arqueologia do cemitério me parece algo muito interessante... Muito legal você perceber o quanto as diferenças são representativas tanto na vida quanto na morte. Você olha para o túmulo e vê todo o espectro do defunto: sexo, idade, classe social, religião! Bela sacada!

=]

Anônimo disse...

Nossa carlos eu adorei,vc conseguiu
tocar com sensibilidade e profundidade nesse tema que nos assusta e ao mesmo tempo fascina.
Vc está de parabéns,fora tb o fato de ter ressaltado a desigualdade social que vemos até depois da passagem sendo que debaixo de sete palmos todos terão o mesmo fim!!!

Ka disse...

Como os outros que comentaram, adorei o texto! Vc expôs de uma maneira interessante esse tema ! Acho o cemitério um lugar um tanto qto melancólico e triste, mas qdo me vejo obrigada a ir, presto atenção em cada detalhe, e concordo q há desigualdade social até num lugar como esse..além de obras de arte e tals...Parabens!