25 junho 2006

São Pessoas Lá Fora.

Viver numa cidade grande é viver diferente.
Nem sei se é viver ou sobreviver.
O fato é que às vezes se perde a noção de humanidade.

Um dia desses, no ônibus, um daqueles garotos que vendem bala de gengibre subiu.
Era a milésima vez em uma semana.
Ele começou a falar: "peço um minuto da sua atenção, eu podia estar matando, eu podia estar roubando, mas não, estou aqui vendendo balas de gengibre com canela.."
Eu já me preparava pra virar o rosto pra janela, como já era hábito e como também estavam fazendo os outros 40 passageiros do ônibus.

Mas..
O menino estava falando comigo!
É como se ele dissesse : "Carlos, peço um minuto da sua atenção, eu podia estar matando.."

Eu não tinha dinheiro, e nem gosto de bala de gengibre, mas tive que olhar para ele e ouvir tudo que ele tinha a dizer.
Quando ele terminou foi passando pelos bancos e eu neguei a balinha com a cabeça.

Outro dia, passando com um amigo na rua, um mendigo, naquela situação bem típica de mendigos (sujo, bêbado, maltrapilho), nos chama : "ei, jovens."
Meu amigo continuou andando, como sempre eu também fazia.
Mas eu parei.
Eu sabia que ele ia me pedir dinheiro, e eu sabia que eu também não tinha (sim, eu nunca tenho).
Mas tive que ficar parado em frente ao mendigo escutando o que ele tinha pra me dizer.
Meu amigo ia na frente e quando notou que eu parei olhou pra mim espantado, com expressão de "por que você está ouvindo o mendigo???"
Lógico, quando ele temrinou de pedir os 0,50 centavos, eu disse "perdão,não tenho."
Acenei com a cabeça bem rápido e continuei. Meu amigo ria de mim.

E eu agora sou assim...
Uma amiga comentou "ei, percebi que os garis que recolhem o lixo na minha porta todo dia têm um rosto!"
E assim vamos percebendo que são pessoas, e nós aprendemos que quando alguém fala com a gente, o mínimo que devemos fazer é escutar.
E eu me pergunto: "pra quê?"

Isso não deve ter o menor efeito.
A minha mesma amiga me explicou: "pode não ter pra eles, mas nós nos sentimos melhor".

Que tal? detrás da minha "nobreza" de olhar pro vendedor de balinha, há o egoísmo de eu não me sentir desumano ou mal-educado.
O que nós fazemos que não seja por egoísmo?

Realmente, efeito não deve ter... mas é uma percepção inegável: "alguém me chamou e quer me falar algo!"
Algo que eu já sei, que eu não vou poder ajudar.
Mas ignorar?
Não sei nem se consigo mais.

Mas continuo me perguntando:
É hipocrisia minha?
Ou é puro egoísmo?

Mas nada muda na minha cabeça o fato de que , quando alguém, que nasceu de uma mulher, que respira, pensa e tem uma personalidade, chega e diz "por favor, um minuto da sua atenção" eu não deva virar o rosto e fingir que não ouvi.
Pelo menos dizer "não, não dou" eu sinto vontade de dizer!
Mas às vezes isso me soa incoerente.
Chegamos ao ponto de discutir se é coerente prestar atenção a pessoas que viraram "semi-humanos" na nossa percepção só porque pertencem a uma "classe social inferior".

É confuso e triste,não acham?

Mas já posso até ouvir os comentários:
"_Ah,tenho um amigo que toda vida pára e ouve o que os mendigos vão pedir, mesmo que ele não tenha nada pra dar!"
"_Kkkkkkkkk, quero ver no dia que ele for assaltado!"

Puxa, como é desconfortável sair de casa às vezes.

15 comentários:

Anônimo disse...

Puxa Filho....

Amei esse texto. Trazer estas discussões à tona sempre é muito válido. Tocar em assuntos como este, deve fazer pelo menos alguém refletir no comportamento próprio e legítimo da sociedade contemporânea. Hoje realmente o que nos parece ser "certo" na forma como nos relacionamos com o próximo é minimamente "desumano", pois os atos são cada vez mais individualistas e egoístas.
O legal é que pelo menos nos incomodamos com a situação !!!! Isso nos faz diferentes da maioria das pessoas. E acredito que assim possamos infectar pelo menos os que nos rodeiam com este desejo de ser mais gente, mais humano, e de lembrar que existem muitas pessoas lá fora que precisam de nós !
bjão amigo !

Anônimo disse...

É esse amigo era eu! ¬¬
agora falando serio:
Eu tambem já tinha feito uma refexão sobre isso, de fato somos "semi humanos" passamos pelas pessoas na rua e estamos preocupados apenas com nossas proprias dificuldades não olhamos para o lado, importa mais o numero de sua identidade doq ue vc em "carne e osso". A que ponto chegamos! pois sei que não fui o ultimo e tambem não garanto que se passar um estranho "suspeito" em um lugar "suspeito" me chamando eu irei ao seu encontro, mas é claro sei que isso é puro preconceito.
posso afirmar tambem que essa nossa preocupação com os outros mas que de fato não resolve nada (por exemplo eu fazer essa minha reflexão depois de nem ter parado pra escutar aquele homem, ou o carlos ter escutado pra dizer "perdoe-me" ou "não tenho" e ir embora)vem da nossa cultura cristã de "passarmos a mão na cabeça dos mais pobres"(fazer caridade é um exemplo disso) mas acabar não fazendo nada para mudar a situação.
Recolheço que já fui mais sensivel com essas coisas (ou mais hipocrita?) não sei...só seiq ue nao boto a mão no fogo por mais ninguem, não acredito mais em herois! as pessoas acabam se acostumando com essa situação e eu tenho a coragem de reconhecer que o mesmo está acontecendo comigo. De todo modo não vou sair agora dizendo o que "já fiz de bom" e o que já "fiz de perverso" todos nos fazemos as duas coisas todos os dias por ai...
um filme otimo sobre este assunto é: crash - no limite.
Obs: sou democratico e se pensarem diferente por favor escrevam. boa semana para todos vcs.

Carlos do Valle disse...

muito coerente e realista o q vc escreveu,Alisson.
Só que realmente não acho que escutar as pessoas tenha a ver com a "cultura cristã de passar a mão na cabeça dos pobres". Mas sim, estabelecendo o mínimo de igualdade pra pelo menos não se escancarar a nossa frieza e o fato de não darmos a mínima pra essas pessoas... que tudo se resume a isso: são pessoas.É só disso que a gente eskece às vezes.

Anônimo disse...

entendo e compreendo o que vc diz.
vou torcer para que vc nunca seja assaltado, porque vc é uma pessoa de bom coração! e não quero que um acontecimento ruim como um furto ou um assalto, lhe transforme numa pessoa "fria".

Josy Lima disse...

rsrs sem comentários. Já disseram o que eu penso.

Josy Lima disse...

Maturidade

"Suportando a dor ,descobrimos a fortaleza;
Superando os obstáculos, abrimos os caminhos;
Admitindo os erros, conquistamos a evolução.
Reformando os passos, aprendemos a ter fé;
Nas intempéries das mudanças, abandonamos o medo;
No silêncio da solidão, enxergamos o egoísmo.
No autoconhecimento, encontramos a vida.
Na certeza do sol, voltamos a sorrir;
Na sabedoria do perdão compreendemos o que é AMAR."

(Mônica Martins)

Carlos do Valle disse...

Alisson, releia de novo o texto e anote as palavras "egoísmo" e "egoísta" que citei ok?
Como falei desde lá de cima não estou querendo fazer uma campanha da fraternidade nem enaltecer qualquer qualidade ou defeito.Acho as expressões "bom coração" e "virar uma pessoa fria" muito maniqueísta pra serem usadas a respeito dessa questão.Mais um vez eu repito: saber que elas são PESSOAS não nos fazem achar q são BOAS,portanto, sei q posso ser roubado ou assaltado por elas, minha intenção não é sair me sentando nas calçadas pra conversar com os mendigos, e sim, apenas lembrar: "são pessoas".Só isso!!!!!!!Está claro,agora?

Anônimo disse...

continuo sustentando minha opinião de que quando algum estranho falar comigo num lugar "suspeito" terei receio de me aproximar, e na verdade eu acho que quem afirma não ter o menor receio está sendo hipocrita, e falta com a verdade pra se fazer de santo.
Para acabar a discusão se for possivel, então reescreva o seu texto pois ele expressou uma pessoa preocupada com: 1)já que "são pessoas" deveriam merecer nossa atenção. Se não fosse assim qual seria sua intenção de escrever um texto onde o titulo fosse: "São pessoas lá fora"?
agradeço a delicadeza.

Carlos do Valle disse...

concordo com o q vc escreveu, eu não falo com pessoas "suspeitas" porque podem estar realmente mal intencionadas,mas sempre lembro q são pessoas e são suspeitas. Não vejo necessidade de reescrever o texto,pois fui bem claro no meu propósito e se alguém não entendeu nada do que escrevi é porque realmente cada um de nós têm uma maneira diferente de entender as coisas e isso também de certa forma é bom,pois o propósito de blogs não é vender uma idéia, como de fato não vendi nenhuma,mas sim colocar fatos para reflezxão e discussão sobre.

Anônimo disse...

É um questionamento interessante a se fazer. Apesar de tudo, eles ainda são seres humanos com algo a dizer, nem que esse dizer seja apenas um pedir... É uma discussão demasiadamente ampla para se ater a um lado sem ver o outro.

Marjorie Chaves disse...

É incrível a nossa cegueira social não é? É tão difícil percebermos que aquelas pessoas tão simples, tão anônimas têm sua importância, seu lugar no mundo. Será isto hipocrisia? Logo eu que detesto esta palavra...

Anônimo disse...

alisson said...
sou sociologo e toda minha profissão gira em torno do que o joão filho, magie e vc tambem carlos falaram logo acima. Minha pesquisa de monografia foi uma tentativa de fazer escutar o que os agricultores de uma comunidade rural no sertão de canindé têm para dizer. outras pesquisas giraram entorno dos mendigos do centro, ou das prostitutas etc...
resumindo todas essas pesquisas tratam de uma discusão parecida com a que vc colocou no seu texto e que o amigo joao filho e magie sensibilizaram e nesse sentido eu concordo com vc, a ideia base de nossas pesquisas foi essa mesma que vc citou no seu texto.
entretanto, não vou afirmar aqui que não tenho receio de ser assaltado por exemplo, quando vejo pessoas que jogu suspeitas, e repito: isso é por puro preconceito! nada pode provar diante mão que aquela pessoa que eu acho suspeita de fato é alguem mau intencionado.
infelizmente essa é a sociedade em que vivemos e não vou negar que tenho receio sim! estou sendo sincero e gostaria que todos aqui fossem tambem. não vou mentir apenas para agradar quem expressa da mesma forma que vc.
por isso repito: se fosse o caso nos depararmos na mesma situação qualquer dia desse por ai, fique sabendo que farei o mesmo, pois não quero correr o risco de ser assaltado novamente. então para acabar minha fala gostaria de lhe convidar a vizitar algum assentamento em que presto serviço, hoje em dia eu já sei que não posso mudar o mundo mas pelo menos estou fazendo minha pequena parte.
Tudo o que eu quis dizer aqui é que: não adianta escutar e não fazermos nada, isso me sua hipocrisia sim. e sinceramnete creio que em varias situações problematicas em que podemos passar no dia a dia principalmente nas cidades grande como a violencia crescente todos que estão aqui fariam o mesmo que eu.
LOGO EU NÃO CONCORDO DE MODO ALGUM COM O EXEMPLO QUE VC DEU NO TEXTO.
abraço.

Carlos do Valle disse...

ok, Alisson, é válida sua interpretação particular do texto e sua opinião. Com certeza de tudo que a gente coloca aqui é interessante pra se pensar e discutir a respeito. Quem sabe um dia eu escrevo algo sobre o que vc está falando, pois vc está falando de um texto que eu não escrevi.
Mas adoro suas postagens por aqui! flw

Cristiano Contreiras disse...

...

apenas sentires do cotiano...

Anônimo disse...

carlos... sinto poesia e caos no seu texto... contundente...